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Saudação a Nilson Luiz May - Waldomiro Manfroi (25/09/2014)

25 de setembro de 2014

Digno Presidente da Academia Rio-Grande de Letras, Escritor Prof. Dr. Sérgio Augusto Pereira de Borja, Vice-presidente da ARL, Avelino Collet, Secretário Geral, Rafael B. Jacobsen, Presidente da Associação Gaúcha de Escritores, Caio Ritter e demais membros da Diretoria. Autoridades presentes ou representadas. Recipiendária, professora e escritora Maria Eunice Garrido Barbieri. Dignos confrades e dignas confreiras da Academia.

Familiares do empossado, Nilson Luiz May.

Senhoras e senhores. 

Antes de qualquer outra manifestação, devo confessar que me sinto honrado, por ocupar esta tribuna para recepcionar um novo membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Honrado, também, pela singular oportunidade do ato em si: saudar um colega, médico e escritor e agora confrade, Nilson Luiz May. E, aproveitando o ensejo, manifestar também o orgulho que sinto por fazer parte deste seleto grupo que dedicaram e dedicam parte significativa de suas vidas ao estudo das letras e ao da criação literária.

         Prossigo na minha saudação, dirigindo-me ao agora confrade Nilson Luiz May com a pergunta que nos fazem quando nós médicos publicamos um novo livro de ficção:

Por que tantos médicos escrevem ficção?

Para responder a esta pergunta, socorro-me de alguns dados, uns conhecidos por estarem registrados e outros por serem lembrados em situações peculiares. Um deles, emanou das palavras que o então candidato Nilson Luiz May durante a entrevista a que foi submetido na reunião da Diretoria no dia 28-08-2014. Disse: “Para responder à pergunta que me faziam sobre o porquê de médicos escreverem ficção e para fugir da simplificação de que escrevia por ser um hobby, tive a ideia de propor a nominação de Duplo Ofício: o de médico e o do escritor”.  

Vejamos então como e onde começou este duplo ofício dos médicos escritores.

Os primeiros textos que serviram de orientação para a Medicina contemporânea surgiram na Grécia Antiga, junto com as obras dos filósofos que moldaram a cultura do Mundo Ocidental. Nesse período, segundo Píndaro, his­toriador grego do século VI a.C., as doenças eram entendidas como castigo do Deus Apolo. E as curas só seriam obtidas por meio de oferen­das e sacrifícios. Foi Hipócrates quem interrompeu essa relação entre doença e castigo dos deuses. Seus setenta e dois livros contêm descrições e expressões que são um misto de conhecimentos de Medicina, de Filosofia e tex­tos literários. Sobre a relação de Hipócrates com as artes, convém citar um dos seus aforismos, por ser lembrado com bastante frequência: A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganadora, o julgamento difícil.

Desde Hipócrates, então, os médicos trabalham com o corpo e os sentimentos das pessoas. Registram as queixas físicas e as dores da alma de quem sofre. Nessa singular relação, convivem com milhares de pessoas e com a desafiadora situação de nenhu­ma é igual à outra. Então, ainda que tendo de cumprir uma gama de responsa­bilidades e de trabalho, os médicos escritores nunca se contentaram em registrar apenas as particularidades físicas dos seus enfermos. E passam a exercer o Duplo Ofício, tão bem destacado pelo nosso recipiendário.

Sobre a resposta à pergunta por que tantos médicos escrevem ficção, encontramos respaldo nos textos de especialistas que trata­ram dessa questão, bem como em registros históricos de instituições e em publicações literárias.

Segundo o ensaísta, crítico literário e fundador da cadeira de nú­mero 17 da Academia Brasileira de Letras, Sílvio Romero, a Litera­tura registra os costumes, as habitações, os alimentos, o vestuário e os sentimentos mais profundos das pessoas. E testemunha, de modo fiel, épocas. Ressalta-se que, por meio da Literatura, pode-se conhecer o perfil social e até ideológico das personagens e do autor. De modo mais específico sobre o tema, o poeta, historiador e professor de Literatura Guilhermino César, na sua obra Notícia do Rio Grande, fez, na década de 1970, uma afirma­tiva interessante. Diz ele: Numa época em que não havia no Brasil cursos de Letras, as Escolas de Medicina eram verdadeiros berçários de escri­tores. Entretanto, mesmo após a disseminação das Faculda­des de Letras, a Medicina tem legado à Literatura escritores expoentes. Dentre eles, destacava, então: Aureliano de Figueiredo Pinto, Dyonélio Machado, Cyro Martins e Moacyr Scliar.

Vejamos outros registros históricos e algumas coincidências que reforçam a afirmativa de Guilhermino César. Antes, convém lembrar como se regem as relações socioantropológi­cas no meio em que vivem as pessoas. Para tanto, socorro-me, de modo bem resumido, da Biologia e da Sociologia. Na Biologia, existe o componen­te genético como fator determinante na vida das pessoas. E há o que poderíamos chamar de “genética social”, que seria aquilo que conhecemos como “escola da vida”. Isto é, o que as pessoas aprendem pelos exemplos ou modelos. Daí a importância do mito para os jovens, pois eles procuram seguir os passos dos vencedores.

Poderíamos, então, vincular a sequência dos médicos escritores gaúchos ao surgimento de A Divina Pas­tora e de O Corsário, do médico Caldre e Fião? E este não teria ali­mentado seu imaginário ao constatar que seus conterrâneos gaúchos eram pessoas que falavam, vestiam, trabalhavam e se alimentavam de modo bem diferente dos habitantes da Capital do Império, Rio de Janeiro? Por que não fazer, então, o que fizera seu colega médico, Joaquim de Macedo, que dera voz às personagens urbanas de A Mo­reninha e, também, dar voz e vez a seu povo, tão distante do poder e tão pouco conhecido no além-fronteiras? Assim não podia ter pensado Caldre e Fião, ao apanhar a folha do caderno em branco, nos idos entre 1845 a 1849, para dar voz e vez ao povo gaúcho?

Nessa mesma linha, podemos admitir a influência do Partenon Literário, criado em Porto Alegre em 1868, sobre os es­critores que surgiram depois. No Ensaio de Álvaro Porto Alegre, es­crito em 1928, no ensejo das comemorações dos sessenta anos de fundação daquele centro literário e cultural, encontramos passagens que demonstram o estímulo que podia ter exercido esse movimento nos escritores do nosso estado.

Para os médicos escritores gaúchos que surgiram mais tarde, outros estímulos determinados pelos movimentos literários regionais, nacionais e internacionais devem ter contribuído para que se dedicassem à ficção. Dos regionais, podemos lembrar Ramiro Barcelos, Olimpio Olinto de Oliveira, um dos fundadores desta Academia, em 1º de dezembro de 1901. Mário Totta, cronista e criador do primeiro romance urbano no nosso Estado: A estricnina, publicado em 1896

A observação feita pelo ilustre Professor Guilhermino César encontra abrigo também num passado do nosso meio institucional. Em 1914, dois anos depois da fundação do Centro Acadêmico de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, sob a presidência de Raul Moreira, foi lan­çada a revista Vida e Arte, na qual os alunos publicavam trabalhos científicos, contos, poesias e desenhos satíricos. Mais tarde surgiram as revistas Acadêmica de Medicina (1934), a C.A.M. (Centro Acadê­mico de Medicina – 1938) e várias revistas e jornais das Associações das Turmas Médicas de cada ano, conhecidas como ATMS. Dessas publicações tiveram destaque especial O Manhoso, O Ectópico e O Pascoal. A tônica do humor produzido pelos alunos navegava e in­cidia sobre os temas mais recorrentes, tais como o temido vestibular, o trote, a passeata e o baile dos bixos.

A tese do aluno Otávio Dreux, da turma de 1934, intitulada A Cavalgada Onírica, por ter sido reprovada e por tratar de uma sáti­ra em forma de verso à vida acadêmica e à Medicina praticada na época, tornou-se um texto popular entre os acadêmicos de Medicina e na sociedade.

Em 1937, Balbino Marques da Rocha satiriza a vida da Faculda­de de Medicina em versos, com o título Estância de Dom Sarmento, que, publicado pela Editora Globo, alcançou grande repercussão dentro e fora da Faculdade.

Se, do ponto de vista literário, nas décadas de 1920, 1930 havia a influência de Ra­miro Barcellos, pelo poema Amaro Juvenal , de Aureliano de Fi­gueiredo Pinto, com o poema O mar visto por um gaúcho e de Dyonélio Machado, com o romance Os ratos, nas dé­cadas de 1940 -1950 e 1960, surge a releitura do gaúcho através dos romances de Cyro Martins, com sua trilogia O Gaúcho a pé. E havia a enorme influência determinada pelas obras dos escritores não médicos: Simões Lopes Neto, Augusto Meyer, Alcides Maya, Érico Veríssimo e Josué Guimarães.

Na mesma esteira histórica, sur­giram no início da década de 1960, período em que o confrade Nilson L. May frequentava o Curso de Medicina, dois acadêmicos que reavivaram a criação literária pelos gêneros romance e conto: Moacyr Scliar e Sérgio Ortiz Porto. Em 1962, sob a liderança de Moacyr Scliar, forma­-se o grupo Nove do Sul, constituído por escritores já conhecidos e novos escritores que procuravam publicar suas obras.

Atualmente, como digno de nota, constatamos que mais de trinta médicos sul-rio-grandenses, originários dos diversos centros acadêmicos das faculdades de medicina do estado, continuam publicando de modo contínuo, obras de ficção, crônicas, história, poesia e teatro, fato que não ocorre com a mesma densidade com médicos procedentes dos outros mais de duzentos diretórios acadêmicos espalhados pelo Brasil.

Mas não foi apenas por pertencer ao núcleo de médicos escritores que o Dr. Nilson Luiz May ingressa agora na Academia Rio-Grandense de Letras. Foi pela sua obra. Mas de onde mais o novo confrade encontrou estímulos para se tornar um escritor com credenciais para ocupar a Cadeira de número 10 cujo Patrono é Achyles Porto Alegre?  

Bem, já citamos as possíveis influências do meio advindo dos médicos escritores do passado e de alguns contemporâneos. Mas só isso não faz um médico escritor. Há uma máxima do saudoso psicanalista e escritor Cyro Martins que diz: o homem se agita e a sociedade o conduz. Então, o homem impulsionado pela sua concepção genética encontra no meio que o cerca os impulsos para a concretização de seus anseios.  

Nilson Luiz May nasceu em Santa Cruz do Sul. Frequentou o Curso Primário, o Ginasial e o Científico em Caxias do Sul.  Segundo consta em seu currículo, na infância, teve a influência do tio padrinho, o ilustre cientista e Professor Oscar Pereira, que o incentivou a optar pela Medicina. Com 23 anos formou-se médico na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Recém-formado, trabalhou durante três anos, em duas povoações de nome Vila Progresso e Marques de Souza.  Segundo suas palavras, “Nos tempos em que o médico era senhor absoluto das ações, realizava cirurgias com a ajuda de lampião, atendimentos com jipe nas montanhas, partos em casa, medicina integral”.

Como se observa, história de vida muito parecida com a dos personagens e cenários do romance A Cidadela, de Archibald Joseph Cronin, publicado em 1937, que conta, a história de Andrew Mason, um jovem médico que, logo terminado o curso, inicia o seu trabalho profissional no interior da industrializada Grã-Bretanha dos anos 1930. 

Como nos relatou o recipiendária de hoje na sua entrevista prestada na Academia: “Isso foi só o começo da profissão do primeiro ofício, o de médico. A do segundo ofício, o de escritor, surgira quando vira pela primeira vez, aos doze anos de idade, num sebo de Lajeado, um livro. Imaginamos que o menino de então deve ter tido vontade de abrir o estranho objeto para ver o que nele continha, como fazem todas as crianças quando ganham um novo brinquedo. Não, não fora isso, fora algo bem mais forte, fora paixão à primeira vista. E ele próprio justifica: “na casa dele não havia livro”.

Então, unindo o estímulo determinada pelo estranho objeto, o livro, com posteriores estímulos advindos de escritores médicos locais, nacionais e internacionais, seu fazer médico com milhares de pacientes,  ao contribuir com sua vasta experiência de Médico Geral no Exame da Associação Médico do Rio Grande do Sul e no Programa Educação Médica Continuada,  no observar o que faziam os profissionais da saúde quando estagiara na França e na liderança de seus pares em instituições cooperadas, abre-se a seus olhos a janela do mundo. E surge o escritor Nilson Luiz May, com sua qualificada obra e seus merecidos prêmios.

Para finalizar, valho-me do parecer da Comissão de Sindicância e Crítica, da Academia Rio-Grandense de Letras que, depois de analisar a produção literária composta por: Terra da boa esperança – romance publicado em 1978, Inquérito em Preto-E-Branco - contos 1994, Pelos (DES)Caminhos da Medicina Assistencial Brasileira – artigos reportagens e crônicas, livro  publicado em 1996, Céus de Pindorama – novela publicada em 2000, A Máquina dos Sonhos – crônicas publicadas em 2008, Misterioso Caso Na Repartição Pública – romance publicado em 2010 e Última Chamada – misto de contos e crônicas publicado em 2012, assim se pronunciou:

Nilson Luiz May possui obra, quantitativamente abundante, e bem qualificada literariamente, para ocupar uma cadeira na Academia Rio-Grandense de Letras.

Então, bem-vindo às hostes desta Centenária Academia Rio-Grande de Letras, confrade, Nilson Luiz May.


 
Waldomiro Carlos Manfroi
Ocupante da Cadeira 30

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 33

César de Castro

João César de Castro nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 8 de fevereiro de 1884, filho de Antônio Geresino de castro e Henriqueta Lindner de Castro. Estudou na Escola Preparatória de Rio Pardo em 1899, na Escola Militar do Realengo no Rio de Janeiro, sendo desligado da mesma em 1904 por má conduta. Concluiu em 1908 na Escola de Guerra de Porto Alegre o curso militar. No curso do Estado Maior do Exército, obteve o grau de engenheiro geógrafo, cursando em seguida aperfeiçoamento no Exército. Em 1925, formou-se médico pela Faculdade...

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