CADEIRA 28

ACADÊMICOSQUADRO ACADÊMICO

João da Silva Belém

(por Antônio Augusto Ferreira)

Anos, que nos consideramos privilegiados pelo presente desenvolvimento dos meios de comunicação cultural, em que sobressai o recurso da Internet, sempre surpreende e intriga o fato de que, no passado, tantos espíritos, esses, sim, privilegiados, tenham sido capazes de criar obras de que nos valemos, hoje, para a compreensão de nossa subjetividade e de nossa história. Dentre essas pessoas de talento incomum destaca-se, no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Santa Maria, João da Silva Belém, uma espécie de multimídia da época: foi poeta, funcionário público, jornalista, teatrólogo, historiador, conferencista e professor.

De sua biografia civil lembraremos, aqui, dados essenciais. Nasceu em 1874, na cidade de Porto Alegre, em família zelosa pela boa educação dos filhos. Iniciou sua vida profissional como professor, mas seu pendor para as letras levou-o cedo ao Jornalismo e à criação literária. Em 1902 estabeleceu-se definitivamente em Santa Maria, onde exerceu funções de Tesoureiro, depois Secretário da Prefeitura, até aposentar-se. Passou, então, a lecionar Português no Colégio Metodista Centenário e no Ginásio Brasileiro. Faleceu em 1935, aos 61 anos de idade, deixando a esposa, Castér Fiori, e seis filhos santa-marienses.

Em 1901, aos 27 anos e ainda em Porto Alegre, lançou seu primeiro livro de versos, intitulado Aerolithos.

Em 1902, mesmo ano de sua transferência para Santa Maria, estreava no Teatro São Pedro, de Porto Alegre, sua primeira peça, a revista de costumes Notas Falsas. O sucesso incentivou-o, assim como a existência, em Santa Maria, de um bom grupo de teatro amador, por ele fundado, e de uma boa sala de espetáculos, o Teatro Treze de Maio, logo substituído pelo Coliseu Santa-Mariense. Escreveu quase uma vintena de comédias musicais e revistas que foram representadas também em outras cidades do interior, entre as quais destacamos, segundo a data de encenação: Filhos de Momo (1910), O Peixão (1913), esta levada aos palcos de Bagé, São Gabriel e Cachoeira do Sul, Fitas do Centenário (1914), revista alusiva aos festejos do "falso centenário" de Santa Maria, Gatuno do amor (1920), burleta representada no Teatro Coliseu, de Porto Alegre.

As peças que o consagraram como um dos mais importantes tea-trólogos regionalistas rio-grandenses foram A Professorinha, A Comédia da vida e Corações Gaúchos. Encenadas com sucesso em Porto Alegre, tiveram os seus textos publicados em 2002, no livro Três Peças Teatrais - João Belém, organizado por José Newton Cardoso Marchiori e Heitor de Souza Peretti e patrocinado pela Câmara Municipal de Santa Maria.

A Professorinha, opereta com música de Ernesto Bersani, estreada em 1928, mescla uma crítica político-social ao elogio dos sentimentos puros e elevados.

A Comédia da vida, opereta cheia de humor, cujo enredo se desenrola numa pensão de estudantes, foi musicada por Garibaldi Pog-getti e consta ter sido a obra teatral preferida por Belém.

Em Corações Gaúchos, que foi premiada em 1931, na capital do Estado, e aí cumpriu outra memorável temporada em 1935, João Belém retrata a honestidade, a generosidade e a altivez dos gaúchos, num drama vivido à época da Revolução Farroupilha.

Culto, alegre e expansivo, suas palestras e conferências eram brilhantes, tanto que duas delas, A Arte e Dia da Bandeira, foram publicadas em opúsculos, respectivamente, pela Livraria do Globo e pela Livraria Comercial, ambas santa-marienses.

Patriota convicto e convincente, sua obra cívica Culto à Pátria foi merecedora de três edições.

No Jornalismo santa-mariense exerceu, ao longo de décadas, as seguintes funções: secretário de O Estado, jornal do Partido Republicano; diretor de O Viajante, órgão de classe dos caixeiros viajantes; co-proprietário de O Combatente, que se notabilizou pelo combate I Monarquia e à escravatura; diretor e responsável pela secretaria de redação de A Tribuna, porta-voz de dissidência do Partido Republicano; diretor do 14 de Julho, também republicano; redator do Jornal de Notícias; um dos mentores da revista anti-clerical A Reação, onde publicou artigos e versos satíricos sob o pseudônimo de J. Belzebu-th; colaborador da revista Farpa e, também, da Castália órgão do Centro de Cultura Artística.

Sobre a obra poética de João Belém, seu conterrâneo e jovem amigo Edmundo Cardoso testemunha que foi imensa mas por demais esparsa, o que tornou imprati cável reunir o acervo que ele espalhou prodigamente em revistas, jor nais, cartas, bilhetes e aulas. A inspiração vinha-lhe torrencial, a tod momento (...) (In: João Belém. História do Município de Santa Mari (1897-1933). 2 ed. SM, Ed. UFSM, 1989. p.12).

De seu segundo livro de poesias, Páginas perdidas, editado e 1916 como selo da filial da Livraria do Globo em Santa Maria, algu mas estrofes do poema inaugural ilustram o talento do escritor:

AUTO DE FÉ

A minh'alma é travessa... 
É uma leve phalena 
Inquieta, buliçosa e leve como arminho, 
Pois ela não tem mesmo o peso duma penna 
Dum leve passarinho.
Tem cousas infantis a louca da minh'alma, 
Sonhos que a ninguém digo, oh! 
Riam-se de mim...
E eu, às vezes, por isso a meditar com calma 
Quase sinto pezar de ter uma alma assim 
Inquieta e buliçosa.
Ama a noite, ama a lua,
Gosta de serenata e para não andar
Sosinha, a caprichosa arrasta-me p'ra rua...
E eu vou, mau grado meu, para lhe acompanhar,
Sujeitando-me a quanta inveja e insensatez
Se pode acumular no craneo de um burguez.

(...)

Que durma quem quizer! É justo que o que tem 
Uma alma que lhe pesa e custa a carregar
Deve dormir cedo e dormir muito bem.
Porque não é brinquedo um dia inteiro andar 
Carregando um tambolho, um fardo mais pesado 
Que a cruz em que morreu Jesus crucificado.
Nem por isso se deve
Entando comndenar a quem tem alma leve,
Alma de borboleta
Ingênua, inquieta.
Pois que culpa tenho eu que me desse a Natura
Uma alma que não pesa e que tem aza e voa
E se arroja na altura
Infinita do céu?!... Que culpa tenho?! E boa...
Accusam-me por isso, eu sei, querem que eu seja
Austero, circunspecto
Como um santo de pau no nicho de uma egreja
Solennemente quieto,
Ou pedante burguez
Que espírito não tendo, affecta sisudez.

(...)

Para a santa que adoro o meu mais simples verso
Vale mais que o maior tesouro do Universo...
Si eu não fosse poeta, não amasse as estrellas,
Não ficasse alta noite, embevecido, a vel-as,
Decerto eu não teria apaixonado um anjo,
-Um corpo de mulher com coração de archanjo.
As flores, os perfumes,
As estrellas, o luar, não lhe fazem ciúmes
E eu os amo também.
E que ella também sente, é que ella também tem
A scentelha divina
Que às almas ilumina
E as conduz doudamente às amplidões serenas 
Longe da lama vil das misérias terrenas.

De Musa Ferina, obra datada de 1918 e que se caracteriza por conter versos satíricos, dentro os quais paródias de poemas consa-grados, destacamos, por seu teor de atualidade, o soneto:

A POLÍTICA

A traira é um peixinho; não é grosso 
Nem comprido, mas feroz e traiçoeiro; 
Quando tem fome e não encontra almoço 
Leva aos dentes a carne do parceiro.
 
Assim é a política! Um colosso 
De perfídias! Um monstro verdadeiro 
Que é capaz de engolir com carne e osso 
O seu mais dedicado companheiro.
 
Desde que se comprehenda necessário, 
Para a "boa harmonia" do partido, 
Sacrificar-se o correligionário, lutou,
 
Lança-o fora o Partido em que lute 
Como quem bota fora, distrahido, 

A ponta do charuto que fumou  

Em parceria com Luiz Schmidt Filho e sob o pseudônimo de Ofélia de Alencar, escreveu, em 1930, Santa Maria Pitoresca, em que assoma, novamente, a sua veia satírica de crítica social.

João Belém foi sócio fundador do Instituto Histórico e Geográ-fico do Rio Grande do Sul, em cuja revista publicou os ensaios M Imprensa em Santa Maria e Lenda de Imembuí, o memorial his tórico Campestre de Santo Antão e o estudo genealógico Os Alves Valença.

Sobre sua obra magna enquanto historiador, História do município de Santa Maria (1797-1933), publicada primeiramente pela Editora Selbach-RS e, em segunda edição pela Universidade Federal de Santa Maria, transcrevemos o depoimento de José Newton Cardoso Marchiori:

Como intelectual, João Belém reconhecia o escasso conhecimento e a importância de uma investigação aprofundada sobre as raízes históricas de sua terra adotiva. Esta inquietude materializou-se somente em 1933, com a publicação da História do Município de Santa Maria (1797-1933), obra que lhe custou dez anos de pesquisa, em arquivos públicos e particulares, de Santa Maria, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Cachoeira do Sul, e que se insere entre as melhores de sua época sobre as comunas rio-grandenses. (In: João Belém. Três peças Teatrais. Santa Maria, Câmara Municipal de Vereadores, 2002. p.15).

Por sua vez, Edmundo Cardoso diz que, com esse livro, Belém penetrou, como nenhum outro historiador municipal gaúcho, nos fundamentos de um povo e de uma cidade.

A cidade de Santa Maria retribuiu o carinho de João Belém atribuindo o seu nome a uma de suas ruas. Destaca-se, também, na cidade, a Escola Estadual de Ensino Fundamental João Belém, fundada em 22 de maio de 1937, cujos 70 anos são comemorados neste mês de maio de 2007, com várias atividades em que é cultuada a memória de seu Patrono.

O reconhecimento da importância de João da Silva Belém, no cenário cultural do Estado, se traduz exemplarmente na sua escolha para Patrono da Cadeira 28 da Academia Rio-Grandense de Letras.

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Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 3

Felix da Cunha

Félix Xavier da Cunha nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 16 de setembro de 1833, filho de Francisco Xavier da Cunha e Maria Quitéria de Castro e Cunha. Era irmão de Francisco Xavier da Cunha. Cursou humanidades no Colégio Dom Pedro II no Rio de Janeiro de 1843 a 1848. Formou-se bacharel em Direito em São Paulo no ano de 1854. Após a formatura, mudou-se para Porto Alegre, exercendo a advocacia a partir de 1955.

Como jornalista, dirigiu em Porto Alegre O Propagandista e O Mercantil. Em 1861 fundou O Guaíba. Além das atividades ligadas à advocacia...

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