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A arte e o povo - Heino Willy Kude
26 de novembro de 2014
Talvez conhecem as maravilhosas histórias escritas na metade do século 19 pelo escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 – 1875). Apreciei muito O Patinho Feio que deve ter dado muita esperança a todas essas Gatas Borralheiras da vida – tanto masculinos como femininos – claro é que tal esperança nem sempre se concretizou, mas insisto que deve ser levado à sepultura em nossa companhia. Um outro conto se chama As Novas Roupas do Rei, em que dois defraudadores se prontificaram a criarem um traje para o rei, mas alertando que só pessoas inteligentes o enxergariam. Em consequência, ninguém queria confessar não estar vendo nada, onde de fato, não existia coisa nenhuma. Eu posso até ter algo de paranoico em mim e de tão desconfiado que ande, e, em muitas oportunidades imagino poder ser vítima daqueles defraudadores e elogiar roupas novas, onde nada existe. Em especial, me surge tal desconfiança, quando existem valores monetário consideráveis em jogo que me levam a pensar que cada elogio meu pode levar mais um milhão de dólares para a conta bancária de um possível defraudador. Vejam bem, eu não estou querendo desmascarar ninguém, por nem ter certeza de que a verdade esteja do meu lado. Errei e já me enganei muitas vezes e normalmente só escrevo algo, caso vejo que minhas palavras podem talvez salvar algo muito importante que esteja correndo risco de desaparecer, situando aqui a sobrevida humana no planeta Terra que matematicamente está a perigo.
Vi certo dia na década de 1950 um filme alemão em que uma mulher mal-afamada ao caminhar com um amigo em meio a uma exposição de pinturas contemporâneas, as criticou. O amigo respondeu num tom que não permitia refutação: Um artista não mente jamais! Eu disse então ao meu irmão que estava sentado ao meu lado: Mas o que diz que aquele pintor é um artista? Já que eu mesmo tenho talvez 5% da capacidade necessária para ser um Rembrandt, nem nunca ter tentado vender uma tela minha, na década de 1980 me aventurei a participar de uma exposição de artistas plásticos, aberta ao povo em geral. Qualquer um poderia expor seus trabalhos. Apresentei duas telas, sendo que em uma delas este soldado raso da ecologia mostrou um deserto com duas pirâmides, uma caveira e uma barata, chamando-a de futuro da humanidade. A outra tela representou uma mão emergindo da água e acima um gancho que dela se aproximava. Título da tela: Solidariedade humana. Ambas as obras foram devolvidas sem comentários e nem reclamei, pois a minha técnica, como já o comentei não é das melhores, mas depois na exposição vi os trabalhos aceitos e imaginei que minhas pinceladas iriam até fazer boa figura em meio a tantas outras. Afinal, Porto Alegre não pode contar com tantos gênios que um medíocre como eu, devesse ceder seu lugar sem chance nenhuma.
O leitor já deve ter adivinhado falo da pintura abstrata. Li alhures, sem poder aqui indicar a publicação, que em 1917 o governo comunista da União Soviética imaginou que a arte abstrata seria uma manifestação da classe operária. Entretanto, numa vernissage só encontraram rosto denotando rejeição e prontamente o governo mudou a sua orientação, no que concerne à arte, insistindo apresentação de pinturas que retratassem compreensivelmente a realidade social do povo e naturalmente também paisagens e retratos de líderes operários.
Uma pergunta: Adivinhe quantas obras entre gravuras, cerâmicas e pinturas são da autoria de Pablo Picasso (1881 – 1973)? Cerca de 50.000, sim, cinquenta mil. Eu aprecio a matemática e faço uso dela por sua indubitavelmente grande capacidade de convencimento. Vejam: Picasso alcançou a idade de 91 anos. Digamos que tenha sido criativo durante 75 anos. Nesse caso, deve ter criado 666 obras por ano o que dá 1,8 criações ao dia, trabalhando sempre, sem interrupções. Confesso que eu não conseguiria acompanhá-lo neste ritmo, especialmente, por talvez me faltar inspiração para tanto. Ligado a esta incontestável verdade – as conclusões podem ser contestadas – liga-se a este fato os ganhos milionários que transformaram o filho de uma família de classe média baixa em rico proprietário de um castelo. E aqui é que surgiu algo que um amigo me disse: Assim como este sujeito pinta, eu também posso. Mas Rembrandt, só Rembrandt! E aqui surge um argumento muito importante: Nunca pode acontecer que uma pessoa sem vocação criativa, deve chegar a pensar: Isso também posso fazer! Tenho tanta capacidade quanto! A partir deste instante despenca o respeito pelos gênios. Não deve nunca acontecer que os meios de comunicação chamem alguém de gênio e tal ser recebido com ceticismo. Vejam um caso só: Eu gosto de cantar trechos de operetas e música folclórica. Mas sei de minhas limitações e só me apresento em reuniões de pessoas amigas. Em algumas dessas até nem me deixam cantar e aceito tal crítica sem brigar com ninguém. Mas existe um cantor por aí que fatura muito bem. Ao ouvi-lo disse a um amigo: Mas esse sujeito não canta coisa nenhuma. Resposta: Tens razão, até tu cantas melhor do que ele. Nem tanto, nem tão pouco, mas pelo menos tenho volume e não preciso morder o microfone.
Não quero pactuar com uma absoluta falta de respeito a um artista, mas creio poder dizer que posso levantar a suspeita de talvez existir algo como as novas roupas do rei, não, apenas no caso de Picasso, mas como em toda a criação contemporânea de arte plástica. Pessoalmente aprecio muito a tela O Grito de Edvard Munch, (1863 – 1944), não me declarando contrário a qualquer mudança do estilo clássico. Mas insisto que deve haver força nas obras para ressaltar as realidades que mesmo estando à nossa frente e facilmente devem passar desapercebidas. Existem expressionistas que festejo, como Max Pechstein (1881 – 1955) cujas obras foram proibidas expor pelo governo nazista de 1933 a 1945. E tem outros. Podem alegar que gostos são gostos. Mas o que dizer de Salvador Dali (1904 – 1989)? O que pensar de um homem que se apresenta de modo excêntrico ao mundo para ser considerado artista. Em muitas oportunidades me apresentei aos filhos de modo excêntrico, quando ainda em tenra idade, assim, de brincadeira. Ele que faça o que deseja, mas que não nos julgue menores de idade em inteligência.
Uma das perguntas que muitas vezes ouvi da boca de jovens honestos: Mas o que representa isso aí? Podem até alegar que seja nada mais que a manifestação da falta de cultura. É um argumento válido e assim como em quase tudo que é feito aí, cultura precisa ser conquistada e adquirida. Acredito, no entanto, que não esteja conferindo o que considero ser viável e peço ao leitor ouvir a opinião de gente que pode ser considerada como sendo portadora de um bom nível cultural. A cultura nunca deve perder a ligação com o povo, deve ir ao encontro, especialmente dos jovens, pois na minha visão o que pode de pior acontecer é uma massa de gente ignorante, interessando-se só por assuntos de menos alcance e importância. Até diria que a democracia corre perigo, caso isso venha a ocorrer.
Entretanto, o que eu penso sobre essas manifestações de arte pouco interessa, pois sou um leigo e o leitor pode e tem pleno direito de pensar o contrário. Mas o que me preocupa é a cultura do povo. Lembram-se da reação do povo russo que rejeitaram a arte abstrata? Numa das poucas iniciativas elogiáveis do governo de exceção de 1964 a 1985 incluo os consertos para a juventude. Lamentavelmente os maestros encarregados de organizar tais concertos logo recorreram à música atonal e à dodecafônica que não era compreendida e mesmo jovens que teriam todas as condições de serem arautos da cultura enveredaram para o rock – que eu considero inspiradora da violência no subconsciente de mentes juvenis despreparadas.
O fim colimado deste artigo não é me voltar contra tendências pós-moderna das artes plástica, tentar desmascarar quem provavelmente nem máscara use, mas chamar atenção para a imensa responsabilidade que todos os artistas de todas as matizes têm perante o povo.