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Panegírico de Justino Vasconcellos - Sérgio Pereira de Borja (06/08/2014)
06 de agosto de 2014
Vasconcelos foi presidente da OAB-RS, entre 1973-1975 e 1978-1981. Um dos nomes mais importantes da advocacia brasileira nasceu em Erechim, em 1923. Formou-se em Direito na UFRGS, em 1950. Por 16 anos esteve à frente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) nas gestões de 1965, 1967 e 1969. De 1973 a 1981 presidiu a OAB por dois períodos durante a Ditadura Militar, quando conseguiu libertar advogados presos no Uruguai, na Argentina e em São Paulo. Foi nomeado por Dom Vicente Scherer membro da Comissão da Justiça e Paz. Com nove títulos publicados, foi eleito membro da Academia Rio-Grandense de Letras no ano de 1976 vindo a ocupar a cadeira nº14 que tem como patrono Fontoura Xavier. Publicou entre outras obras “Disciplina do Inquérito Administrativo”, em 1948, pela Imprensa Oficial, Porto Alegre; “Súmulas de Legislação Aplicável à Função Pública”, pela Editora Sulina, Porto Alegre, em 1954; “Das Firmas e Denominações Comerciais”, Ed. Forense, Rio, 1958; “No Último Tempo”, pela editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, em 1964; “Desenvolvimento com Democracia”, em coedição da Livraria do Advogado e Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul; “Na Ordem: Em defesa da Ordem” publicação da OAB RS- 3 – Porto Alegre, 1975; “Rui” – Publicações OAB RS – n º4 – Porto Alegre. 197576; “Sucata”- poesia, 1º e 2ª Edições, sendo a última de 1984; “Regressos” obra que faz um esboço da cultura atual, lançada em 2005. No ano de 2008 foi agraciado com o título de “Emérito Advogado” pelo Egrégio Conselho Seccional da OABRS, outorgado em sessão solene na Semana do Advogado. Sobre seu ofício de advogado Justino Vasconcelos ilustrava sua lide com frases que explicitavam o seu labor de forma heroica: “Juraste de pé como guerreiro em luta, e de pé hás de te manter. A advocacia é, sobretudo, ideal, impulso para o certo, para o justo, para o bem… Na defesa encarnas a liberdade, soberania original do povo, não transferida nem transferível ao Estado. Na acusação, reprimes o crime, os ódios e a prepotência. Cumprirás teu destino de grandeza, na medida em que aproveitares a herança de sabedoria, século após século, acumulada por nossos antecessores. A advocacia é aprendizado que não finda. Nem te preocupe com as recompensas: elas virão a seu tempo, como a chuva, como o sol”. Quando relata a labuta jurídica do defensor como o resquício da soberania não delegada pelo Povo Soberano demonstra a origem caudatária de seu ideário ancorada no coração vivo da doutrina de John Locke que preleciona os direitos indisponíveis, que não foram alienados ao Estado, e, portanto incólumes e seguros naquela zona de exclusão e franquias do Povo Soberano. Fundamentos impostergáveis do Direito Constitucional como um todo. Necessitaríamos nos tempos de hoje, não um, mas mil Justinos Vasconcelos, com seu espírito de luta para defender e manter esta zona de franquias e exclusão, balizada pelos direitos humanos como uma raia de incolumidade cidadã, como bastião originário do arcabouço de direitos do Povo Soberano em face da invasão indébita, dos legítimos esbulhos legislativos, cometidos pelos legisladores ordinários na sua ânsia demagoga de moldar os costumes ao sabor esdrúxulo de suas ideologias determinando o certo e o errado contra o mores privado invadindo os frontões dos lares e o que há de mais sagrado na família, como a educação e o seu modo de ministrá-la aos infantes. Lembro aqui, para ilustrar o que digo, o último artigo produzido pelo também ocupante da cadeira nº 34 da Academia Brasileira de Letras, também recentemente falecido, João Ubaldo Ribeiro, autor dos romances Sargento Getúlio, Viva o Povo Brasileiro e o Sorriso do Lagarto, entre outros, que em seu último artigo, no seu estilo irônico característico, sob o título “O correto uso do papel higiênico” despe a onipotência de um governo que quer se imiscuir em tudo, inclusive naquela área de privacidade defendida pelo emérito Justino Vasconcelos. Somam-se, ainda, a estes dados históricos informações fornecidas pela própria palavra do homenageado póstumo que através de entrevistas elucida várias facetas e atividades em sua vida. Dando entrevista a revista da OAB Justino Vasconcelos, falando sobre sua atividade à frente da OAB no período ditatorial militar, diz a viva voz que: “Na verdade, tive muita sorte. A chave principal para meu trânsito livre nas prisões, e também os bons contatos com juízes e desembargadores, foi minha amizade com o general Olímpio Mourão Filho, responsável pelo Golpe Militar de 64. Quando fui presidente do IARGS, realizei uma conferência para a qual convidamos os presidentes de todos os Tribunais do País. Mourão Filho era presidente do Tribunal Superior Militar e aceitou o convite. Durante seu discurso, se dirigiu a mim várias vezes e, em função disso, a entidade acabou muito bem aceita pelos militares.” Da mesma forma, nesta mesma entrevista explica sua nomeação para a Comissão de Paz e Justiça, dizendo: “Essa foi uma nomeação do cardeal Dom Vicente Scherer. Teve uma ocasião em que, depois de visitar um conhecido que estava preso, numa situação péssima de maus-tratos, encontrei com o cardeal na rua. Ele perguntou o motivo da minha aflição. Quando contei o caso, ele prontamente foi até a cadeia junto comigo. Assim, melhoraram as condições em que o preso se encontrava.” Relata, neste entrevista à publicação da OAB, por ocasião de sua homenagem como Advogado Emérito, que antes de dedicar-se a carreira de advogado dedicou-se, num primeiro momento à religião, conforme seu depoimento neste sentido disse na ocasião que: “Fiz o curso primário em Bento Gonçalves e Cachoeira do Sul. No secundário, passei a estudar no Seminário São José, de Santa Maria. Naquela época, eu estava decidido a defender a palavra de Deus. Porém, desisti. Como era um seminário muito carente, recebíamos pouca comida e acabei na enfermaria. Depois daquele episódio, o padre disse que eu não tinha vocação, pois não aguentava o sacrifício. Decidi então não ser mais um defensor da palavra de Deus, mas da palavra do homem e, por isso, me dediquei ao Direito.” Certamente vem daí a temática de sua novela “No Último Tempo” que utilizando-se da mesma temática de Eça de Queirós em sua obra “O Crime do Padre Amaro”, publicada em 1875, reproduz o drama do celibato e de sua condição não natural que contraria as leis impostergáveis da natureza. Seus personagens Ferrúcio, o padre criminoso e Januário, seu confessor, nesta novela que elucida o drama da sexualidade reprimida e da opção equivocada por uma carreira, que é frustrada totalmente pela submissão a natureza traz à superfície, com maestria, indiretamente a necessidade de uma profunda discussão, pela Igreja Católica Apostólica Romana, de um de seus sacramentos expostos pela série incontida de escândalos de pedofilia calados no cerne da Igreja e inconfessados, como demonstra Justino Vasconcelos, com maestria frente aos princípios do sigilo da confissão defendidos dentro da Igreja e que colocam a comunidade em alerta causando inclusive manifestações oficiais e abrindo expectativas, com relação a uma mudança da Igreja, conforme proclamação do Papa Francisco. Se há semelhança na temática entre Eça e Justino, no entanto ambos se distanciam e apartam-se com relação ao foco de abordagem pois Eça é irreverente, ateu e iconoclasta, anti-religoso como Denis Diderot fora lhe antecedendo em 100 anos, em sua semelhança de abordagem na obra ¨A Religiosa¨. Justino Vasconcelos distanciando-se de ambos no tempo guarda o mesmo espaço de aporte pois reproduz a mesma temática preservando, no entanto, um profundo respeito pelos cânones religiosos esperando, inclusive, com esperança até o último segundo de vida ainda existente, pela boca do personagem Ferrúcio, a redenção contida na palavra sacra que repete como um refrão…não sou digno de que entreis em minha morada mas dizeis uma palavra só e minha alma será salva!” palavras estas que encerram as 100 páginas de sua alentada obra maior em prosa. Justino Vasconcelos, por tudo que lutou, por suas ideias e pela defesa diuturna das mesmas pode ser considerado entre aqueles homens imprescindíveis. Daqueles homens cuja falta reflete em saudade e mais do que esta na ausência de um lidador cujo ideal e lábaro desdobrava as mais lídimas batalhas para a construção da democracia. Sua obra Desenvolvimento e Democracia retrata historicamente sua pugna pela construção da Democracia de dentro do próprio regime, adubando-o constantemente com sua prática em defesa dos perseguidos, em defesa da Advocacia e a liberdade de seu ofício como retrata na obra Em Defesa da Ordem. Na sua posse na Presidência do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul em 27 de abril de 1966, portanto em plena Ditadura Militar, em seu discurso de posse, sob o título ilustrativo de “O Fundamento da Democracia” ao longo de uma oração de 22 páginas colhe-se esta pérola de sua preleção que serviria para contestar as práticas atuais que distorcem nossa democracia. Dizia ele em frases lapidares: “E assim como o Estado só será legítimo se respeitar as sociedades interiores, velando-lhes pela coexistência, da mesma forma só será legítima cada uma delas, quando em convívio com as demais. A subordinação às regras da convivência dirá da legitimidade: aos que realmente visem a ela, deve o Estado confortá-los; aos que pretendam suprimir os demais, ou queiram a sua própria expansão em detrimento dos outros, a estes não pode o Estado admiti-los.” (p.13. Opus citae). Uma de suas maiores pérolas de oratória é aquela em que fez perante a sua cidade natal, Erechim, voltando, como diz, quarenta e oito anos depois. Ficou gravada preto no branco de forma indelével a sua pregação republicana, que olhando lá do passado, daquele longínquo ano de 1971, da data de 20 de agosto, reproche com justiça a quebra do bloco de constitucionalidade histórica do Brasil, que implantou a odienta reeleição, relativizando sobremaneira a república e seus reflexos daí advindos para a equilibrada distribuição dos freios e contrapesos constitucional. É sua palavra plena de segurança que leciona daquela época com um eco que vem ao hodierno denunciar o atual desequilíbrio que vivemos hoje, dizia o nosso homenageado: “Cumpre se elegerem as autoridades para períodos razoáveis, nem tão curtos, que impeçam a concretização de programas governativos, nem tão longos, que permitam esquecer-se o corpo eleitoral. Esta vinculação, cujo grau acompanha a democracia, reclama a publicidade dos atos governamentais, por isto que é indispensável possibilitar-se o controle efetivo e a responsabilização do governante!” (opus citae – p.27) Que saudade do Dr. Justino Vasconcelos, que saudade de suas diretivas, quando hoje vivemos com uma república relativizada onde os executivos se reelegem em todos os âmbitos federativos e com isto, pela persistência no poder, mais e mais distanciam-se da Sociedade Civil de quem receberam esta suprema delegação, fazendo do Estado, legítimas capitanias hereditárias de uma partidocracia que, pelos mecanismos travados de controle, em razão da dissolvência partidária e ideológica, através de um Presidencialismo de Coalizão, verdadeira ditadura civil bastarda, fiquem literalmente travados os processos de responsabilização pública dos mandatários como o Impeachment; refletindo-se esta reiteração pela indicação de Conselheiros nos Tribunais de Contas; de Juízes para as Cortes Superioras, indicações renitentes que dissolvem o aforisma de Canotilho que diz que a Constituição deve ser o Estatuto Jurídico do Político. Isto é dizer que o Político deve sofrer o controle maior do Jurídico, através de seus tribunais Superiores, do Supremo e da Constituição Federal Lei Maior que deve se quedar acima do Poder Constituído. Mas é lá do passado que Justino Vasconcelos, com o látego contido em sua verve ungida no Templo da Democracia, como estabelece os parâmetros de sua nascente. É ele quem diz açoitando do passado estas coligações exdrúxulas que matam a voz dos partidos e os transformam numa candente ironia democrática, seja, com muitos partidos não se tem a democracia. É ele que diz e ironiza explicitamente: “Tão imprescindível a fiscalização que, no regime democrático, para mantê-la viva e atuante, ela se constitui no principal encargo da oposição. Repugna, saliente-se, a mera oposição de nome, decaída em cumplicidade, superficial como veste, infiel ao próprio conteúdo ideológico e programático.” Fustigava ele a sua realidade, aquela denunciada pelo inesquecível deputado Britto Velho, que renunciou para não ser um mero decoro republicano e um simples adorno a uma democracia fenecida daquela época, mas também, como um arauto do passado, cuja voz tonitruante ecoa para o futuro para denunciar estas coligações espúrias que coonestam uma democracia que faleceu entre os conchavos oligárquicos das máquinas partidárias que vendem e sepultam a república em seus crimes de simulação que transformam a deusa da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, numa mera ficção jurídica para iludir e desapossar a Sociedade Civil do Estado que deve estar a seu serviço e não da camarilha que trai os ideais da república assassinando-os no cadafalso publico e diuturno da nossa política de cada dia. Que saudade Dr. Justino Vasconcelos, de sua respeitabilidade para com o escudo destes valores alardeados em suas conferências, em seus escritos, voltar no tempo, e estar aqui conosco para recomeçar esta luta de Sísifo que nos fala Albert Camus…esta luta que não cessa do Direito para conter a Política em seus Limites usufruindo-se desta condição do estado de civilização. É Justino Vasconcelos, que recitando os mandamentos do advogado de Eduardo Couture que brada pela independência da cidadania, do advogado. Dizia ele: “Houve um homem, Senhores, houve um Advogado que, à solicitação de Caracala para escusar-lhe o crime, retorquiu altivo: “É mais fácil cometer o parricídio do que justifica-lo”. E PAPINIANO foi abatido, pelos sicários do Imperador. Houve um homem, Senhores, houve um advogado que, depois de ter sido Primeiro Ministro, respondeu a Henrique VIII, quando o emissário deste, pela derradeira vez, na hora da execução, lhe instava pelo apoio: “Acima do interesse de salvar minha vida, está o dever de respeitar minha consciência”. E TOMAZ MORUS curvou-se para o cutelo do carrasco. Houve um homem, Senhores, houve um advogado que, perante a Convenção reunida contra Maria Antonieta e Luís XVI, clamou: “Trago-vos a verdade e minha cabeça; podeis decepar-me esta, mas apenas depois de terdes ouvida aquela”. E MALESHERBES foi, também, guilhotinado. A esta estirpe que, milênio após milênio, vem enriquecendo a humanidade, com os DEMÓSTENES e os PÉRICLES, os GRACOS e os CÍCEROS e os CATÕES, os MORUS e os IHERINGS, os JUAREZES e os CAVOURS, os RUIS, os WILSONS, e os ROOSEVELTES e os GHANDIS, a essa linhagem da nobreza maior, não do sangue, nem da força, mas da coragem cívica e da alma, a ela é que nós pertencemos.” Disse Justino Vasconcelos em 2 de dezembro de 1969 perante o II Congresso de Advogados do Rio Grande do Sul. Eu, hoje, escolhido pela Academia Rio-Grandense de Letras para homenageá-lo com este panegírico, digo, com orgulho da representação pois ela se esteia em pedra de lei, em alicerce imarcescível, incluo-te também a ti Justino Vasconcelos nesta galeria desta mesma nobreza que enumeraste e que Ortega y Gasset também enumerou em sua obra a Rebelião das Massas. Tens a mesma genética, a mesma composição do aço que plasmou os valores da Democracia, da Virtude, da Justiça, e da Liberdade e também da Igualdade, por qual propugna a Advocacia, tanto a pública como a privada. Foste e ainda és voz viva porque és um imortal!!! Perseguindo o garbo de teu espírito recito de Sucata tua derradeira obra poética entre o Tempo de Orar, o Tempo de Sofrer, o Tempo de Viver, o Tempo de Amar e o Tempo de Cantar, como distribuístes teus versos, escolho o canto do Tempo de Viver, CAVALO, que assim entoa:
Dispara,
Cavalo de patas de aço,
De juba de aurora,
De sangue em vulcão!
As fontes, cavalo,
Já se envenenaram,
Sem grama e orvalho
Não volta a manhã.
Dispara, cavalo!
Descobre outro tempo,
Conquista outro verde,
Cavalo de lava,
De clava e de lança,
Os nervos em sol!
Dispara, cavalo!
Eu quero outra lua
Que os homens não vejam,
Distante, imortal.
Por tudo, repito: QUE SAUDADE DO DR. JUSTINO VASCONCELOS!