TEXTOSRESENHAS

Análise de Tabajara Ruas sobre "Médicos Escritores" e "Vestígios" na Academia Rio-Grandense de Letras

07 de setembro de 2015


Sexta-feira, 1 de novembro de 2013
 
Senhores:
 
Vou ler um comentário que escrevi sobre “Vestígios”, esse inquietante romance de nosso querido amigo Waldomiro Manfroi.  Já aviso que é um comentário impressionista; não tenho formação acadêmica nos segredos da literatura, sou apenas um leitor fascinado desde a infância e um escritor esforçado no dia a dia.
Entretanto, peço vênia para, antes, ler alguns trechos de um sincero perfil que eu fiz do amigo Manfroi para a orelha do seu apreciado “Médicos escritores: uma longa e contínua tradição”.
 
Diz assim: 
 
O primeiro Manfroi que conheci era professor da Faculdade de Medicina da UFRGS. Não só professor, também diretor da faculdade, em duas gestões. Depois apareceu outro Manfroi, o cientista. Tomei conhecimento de suas atividades na pesquisa de tratamento para doenças do coração, onde ele se destacou. Durante algum tempo nos anos 80 seus trabalhos em hospitais do exterior, especialmente na cidade de Syracuse, Nova York, foram vanguarda e referência na área médica. Sua carreira desenvolveu-se e amadureceu no Hospital de Clínicas da UFRGS, onde foi diretor por duas vezes. Então, um dia, apareceu o Manfroi escritor. Em 1992 lançou “Tempo de viver”, romance onde se percebe claramente a influência de sua atividade profissional.
O que parecia um impulso passageiro, vontade de expressar suas vivências através da escrita, foi tomando forma  diferente nos anos que se seguiram. O Manfroi escritor não seria fugaz e nem apenas um diletante das letras. O Manfroi escritor cresceu lenta e tenazmente, livro após livro, cada um mais desafiador e exigente. De 1992 até a segunda década do novo milênio Manfroi construiu sua persona de artista, criando uma coleção de sete romances que pensam o mundo contemporâneo com profundidade e compaixão.  Sucederam-se títulos como “O último voo” onde relata uma aterrorizante experiência pessoal, quando foi mantido refém na própria casa por um bando de assaltantes. Seguiram-se experiências literárias bem diferentes como “A confissão do espelho”, “Os demônios do lago”, “Férias interrompidas”. Todos esses livros formam um vasto e colorido painel da classe média do sul do país. Escreveu também um volume de contos, extremamente bem sucedido, “Sinfonia às avessas”. E escreveu ensaios, muitos ensaios sobre diversos temas, produto de sua perplexidade com o mundo e sua vontade de respostas.
Finalmente, sua trajetória de intelectual curioso conduziu-o a uma pesquisa rara. Investigar pessoas como ele, Waldomiro, médico e escritor. Por que os médicos escrevem? Essa pergunta lhe era formulada constantemente, e ele confessa que não tinha uma resposta objetiva. Com a força de quem se alfabetizou apenas na adolescência, de quem passou a infância na dureza do trabalho na roça e se tornou um médico, um cientista, um escritor, um conferencista e um incansável viajante, Waldomiro Manfroi mergulhou nas vidas de centenas de homens como ele, médico e escritor, e narrando suas vidas em perfis sintéticos, busca entender as motivações de cada um e as dele próprio ao encarar o silêncio da página em branco.
Respostas nem sempre são mais excitantes do que perguntas, mas acompanhar a aventura existencial destes médicos escritores na prosa concisa do escritor Waldomiro Manfroi sem dúvida é uma jornada instigante. “Médicos escritores: uma longa e contínua tradição” amplia as múltiplas qualidades do Manfroi ensaísta, tornando-o um pesquisador literário. Com este trabalho ele abre a porta de um vasto e inédito campo da escrita. É mais um Manfroi a nos espantar. Mas, se pensarmos bem, é o mesmo Manfroi de sempre: generoso, cordial, atento aos amigos. E um talento único e multifacetado, que poucos imaginam atrás da tranquila figura de médico familiar.
Agora, sua última façanha. Um romance caudaloso, não tanto pelo número de páginas, mas pelo arrebatamento da narrativa. E narrativa é a palavra que tudo explica: Waldomiro Manfroi é um narrador, um contador de histórias incansável e original. Neste livro, “Vestígios”, que agora lança para o público, Manfroi reúne a experiência de uma vida inteira, aliada á imaginação do ficcionista, á tradição dos contadores de história desde as Mil e Uma Noites mais o toque poético do humanista perplexo com a natureza humana.
Nada explica mais a natureza humana do que uma família. É através da voz pouco confiável do pai, velho de 88 anos internado num asilo, que seu filho, sua nora e seus netos tomam contato com os segredos, esplendores e misérias de sua família, os Brocca, imigrantes italianos vivendo nos confins do Rio Grande, como tantos que vieram da Europa. O que o velho Mário Brocca narra, a cada manhã de sábado, é um vasto painel do interior do Rio Grande, com minuciosa descrição dos sofrimentos, sacrifícios, invejas, loucuras, superstições, doenças, casamentos, traições, ódio, sonhos de poder e riqueza, o sexo difícil e sempre com uma sombra de culpa, e, como diz o autor, a tal de morte, naturalmente, sempre a espreitar.
Manfroi vai criando pouco a pouco um clima de estranhamento, onde  nada parece o que é. A narrativa assume um tom exasperado para o leitor, tanto que as peripécias do velho narrador e de seu irmão Humberto se tornam muitas vezes menos importantes do que as reações da nora e do filho ante os fatos que ouvem.
É aí que se cristaliza um fenômeno literário raro e de difícil execução, quando a história se bifurca e o leitor se vê comprimido entre a fantasia desmesurada do velho narrador e o dia a dia medíocre e claustrofóbico de seus descendentes. A nora, Flávia, vai afundando num pântano sombrio de desconfianças, dúvidas, insegurança e rancor: o triste e surdo rancor sem direção e objeto definido. Suas emoções, pequenas e reais, palpáveis para o leitor, contrasta com as exuberantes ações em que o narrador e seu irmão Humberto vivem. Dois mundos dividindo personagens e leitores ao mesmo tempo, mundo real e ficção, esquizofrenia e invenção entrelaçados.
Vamos reconhecer, é difícil façanha, digna de um escritor tarimbado.
A solução encontrada por Manfroi para os acontecimentos não vou discutir aqui em respeito aos futuros leitores da obra. O gesto final de Flávia, a nora, é talvez mais um enigma acrescentado por Manfroi ao conjunto, mas vale lembrar as incertezas de todos respeito aos fatos da Segunda Guerra Mundial, a épica descida de balsa pelo rio Uruguai onde chegam aos confins do Rio Grande e á minha cidade de Uruguaiana, minha e do doutor José Edil, histórias de pescarias e afogamento, contrabando de pedras preciosas e amores malditos unidos a juramentos de vingança.
Todo esse universo Waldomiro Manfroi trata com uma prosa comedida e quase invisível, como se fosse a voz trêmula do velho narrador. Ficamos ouvindo essa voz muito tempo depois de lermos a última página, desconfio que ouvirei essa voz durante muito tempo, quem sabe até quando...
Obrigado, Manfroi
 

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Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 13

Carlos Alberto Miller

(por César Alexandre Pereira)

O patrono da cadeira n° 13 da ACADEMIA RIOGRAN-DENSE DE LETRAS nasceu em Rio Grande no dia 12 de dezembro de 1855 e faleceu na mesma cidade em 07 de Maio de 1924. Seus pais foram Joaquim Carlos Miller e Maria Bernardina de Araújo Miller. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Ocupou os cargos de Diretor Geral da Companhia Fluvial em Porto Alegre e a de Chefe dos Práticos da Barra do Rio Grande. Exerceu em Rio Grande a advocacia e o magistério e foi redator dos jornais GAZETA MERCANTIL e ECO DO SUL.

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