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Discurso de Posse na Cadeira 24 - Christian David (14/09/2022)

14 de setembro de 2022

Boa noite!

Na pessoa do ilustríssimo escritor Rafael Bán Jacobsen, presidente da Academia Rio-grandense de Letras quero cumprimentar a todos os presentes: acadêmicos, representantes das instituições do livro e da leitura, amigos e familiares. Um abraço especial ao Paraninfo Caio Riter.

Agradeço à Academia Rio-Grandense de Letras, aos colegas de profissão e aos familiares que me apoiaram até o dia de hoje. Recebo hoje esse reconhecimento por causa de vocês. Sei que nada se faz sozinho.

Para o benefício de todos os presentes vou aplicar ao discurso desta noite uma das minhas características na escrita. Pretendo ser conciso e sucinto.

Falar para pessoas tão distintas sempre me traz um certo receio, então vou imaginá-los todos com 20, 30 ou 40 anos menos, que são as idades dos públicos para os quais eu geralmente falo. Sintam-se todos adolescentes e crianças por alguns minutos. Ouçam com ouvidos novos, frescos. Imaginem que já não ouviram diversas vezes e de diversas formas o que vou dizer.

É da minha prática literária também brincar com as palavras, apresentá-las sob outro ponto de vista, revisitar os seus sentidos, fazer listas com rimas. Para esta noite vou discorrer sobre os cinco “ãos” que a literatura é na minha vida.

Olhando em retrospectiva percebo que as letras sempre foram uma PAIXÃO para mim. Sempre andei cercado de histórias, livros, gibis e séries de TV. Isto sempre me moveu e me deu meus melhores momentos.

Há alguns anos, um vidente me disse, quando eu cursava Ciências Biológicas, que eu devia me dedicar mais às ciências humanas. Poucos anos depois descobri, quase que por acaso, que escrever era também minha VOCAÇÃO. Percebo hoje também que é uma das poucas atividades que poderia também me trazer felicidade.

À medida que coloquei em prática essa vocação descobri que a escrita poderia ser também uma carreira. Olha que maravilha! Aquilo que sempre foi minha paixão e era também minha vocação poderia se converter em uma PROFISSÃO. Que coisa maravilhosa!

Mas então vem a pergunta: será que essa profissão tão prestigiada, mas tão pouco remunerada, poderia ser suficiente para sustentar uma família? Na época em que precisei decidir sobre isso já era casado e tinha um bom emprego em outra área. Felizmente, depois de algumas decisões arriscadas e pouco recomendadas pelo bom senso, descobri que escrever poderia ser também meu GANHA-PÃO. As vezes um pão dormido ou seco, mas sempre muito saboroso.

E finalmente aquilo que acredito ser fundamental para todo artista em qualquer época. A escrita passou também a ser uma MISSÃO. Deixar uma pegada, fazer a diferença, mudar o mundo para melhor, ser um farol para o seu tempo é algo difícil, mas que nunca deve sair da mira. Eu acredito de verdade que a literatura transforma o ser humano. Propicia o autoconhecimento, aguça o senso de realidade, nos faz enxergar melhor o que nos cerca e, acima de tudo, como diz o escritor britânico Neil Gaiman, a literatura desenvolve, mais do que qualquer outra coisa, o sentimento de empatia. Que mundo melhor seria o nosso se todos sentissem um pouco mais de empatia.

De novo, acredito que a literatura pode ser este vento transformador. Este calor que queima e nos modifica de dentro pra fora. E que esta transformação precisa começar cedo e ser acessível a todos, por isso falo e escrevo pra vocês, crianças e jovens presentes aqui nesta noite.

PAIXÃO, VOCAÇÃO, PROFISSÃO, GANHA-PÃO e MISSÃO.

Acredito que as letras e a literatura também foram tudo isso para o Patrono da cadeira 24, Zeferino Brasil, cadeira que eu passo a ocupar a partir desta noite.

Antônio de Souza Zeferino Brasil nasceu em Porto Grande, município de Taquari, Rio Grande do Sul, em 24 de abril de 1870, sendo filho de João Antônio de Sousa e Tausta Carolina de Sousa. Estudou no Colégio Rio-Grandense em Porto Alegre no ano de 1883 e cursou a Escola Normal de Porto Alegre pela qual se diplomou professor em 1889.

Nesse mesmo ano foi aprovado em concurso público e nomeado oficial do Tesouro do Estado. Permaneceu no serviço público até aposentar-se, mas nas horas vagas dedicava-se intensamente à literatura.

Foi ainda professor de Retórica e Poética.

Colaborou em vários jornais, incluindo o Jornal do Comércio, Correio do Povo, Última Hora e Gazeta do Comércio, e em vários periódicos literários, como a Revista do Grêmio Literário José de Alencar, O Mecenas, e Letras e Artes.

Foi um dos fundadores da Academia Rio-Grandense de Letras (ARL) em 1901, membro da primeira diretoria como secretário e um dos responsáveis pela elaboração dos estatutos e do regimento interno, e desempenhou um papel central na vida desta entidade onde ocupou uma cadeira até falecer em 3 de outubro de 1942.

Seu falecimento causou grande consternação nos meios intelectuais do estado, sendo amplamente divulgado e recebendo obituários em vários jornais, todos invariavelmente elogiosos, sendo reiterada sua importância para as letras gaúchas e em particular para a ARL, cuja existência e atividades muito deveram a ele.

 Seu nome batiza um parque em Taquari, a biblioteca do Sport Club Internacional, e ruas em Porto Alegre, Esteio, Rio de Janeiro e São Paulo.

 Com uma produção que transita por diferentes gêneros literários, é mais lembrado como poeta. Incorporando influências parnasianas, românticas, naturalistas e simbolistas, sua obra foi muito popular em seu tempo, chegando a receber o título de “o príncipe dos poetas gaúchos”.

Em várias de suas obras a vida boêmia e seus típicos excessos de álcool e ópio são tematizados com uma temática mórbida, melancólica e desesperada e alusões à obra de Baudelaire e Edgar Allan Poe. Esta linha de abordagem foi uma referência para toda uma nova geração de escritores.

Aos ouvidos dos habitantes do século 21 seus poemas talvez soem parnasianos demais, mas os versos de Zeferino Brasil nunca deixarão de ser belos e vistosos, e assumem, em uma leitura mais atenta, novos significados, como o poema “Aspiração” que poderia se chamar também de “Provocação” ou até “Denúncia” em uma leitura contemporânea.

ASPIRAÇÃO

Ser pedra! não sofrer nem amar, ó que ventura!
Excelsa aspiração que merece um poema!
Ser pedra e ter da pedra a consistência dura
Que resiste do tempo à corrupção extrema.

Alma! sopro de luz que me anima e depura,
Antes tu fosses pedra: um diamante, uma gema
Não te seria a vida esta insana loucura
Do eterno aspirar à perfeição suprema!

Homem, não mudarás! És homem, serás homem;
Lama vil animada, onde vive e onde medra
A venenosa flor das mágoas que consomem.

Homem sempre serás, imperfeito e corrupto…
E melhor é ser pedra e viver como pedra
Que ser homem assim e viver como um bruto!..

No texto “Um centenário: Zeferino Brasil”, Olyntho Sanmartin comenta a produção lírica iniciada em 1890, com a publicação do livro Alegros e surdinas, e destacando o significado e a qualidade artística do poeta, diz ele que: Foi um grande lírico, poeta que se tornou uma imagem destacada, inconfundível, que punha toda a grandeza da sua sentimentalidade nos versos que escrevia. Editou oito livros exclusivamente de versos, de poesia pura, cromáticos, com muita expressão humana quando o amor se coloria de carícias com todas as vozes da arte. Sua originalidade lírica era exatamente cantar melodias de um teor clássico sem vestígios de vulgaridade.

No texto “Zeferino Brasil, comentarista do dia a dia”, Walter Spalding traça uma biobibliografia de Zeferino, salientando sua formação, o conjunto de sua produção literária e, principalmente, uma de suas facetas mais interessantes, a do poeta humorístico e crítico, do dia a dia, comentando acontecimentos sociais e políticos.

Zeferino Brasil foi, portanto, um escritor completo e grande ativista da causa literária. E mais que isso, uma referência para as gerações seguintes. Eu não poderia ter escolhido melhor patrono para a cadeira que ocupo nesta academia.

Eu falava no início sobre este vento e fogo transformador que a literatura pode ser. Pois Zeferino tinha essa missão em seu próprio nome: sendo Zeferino derivado do vento Zéfiro de origem grega, e Brasil da brasa e do fogo, o Patrono da Cadeira 24 é o próprio vento e fogo transformadores da literatura.

Que todos nós, acadêmicos atuais e do futuro, possamos seguir esse exemplo e deixar também nossos textos, livros, escritos e feitos como um legado para as próximas gerações de artistas e escritores.

Obrigado a todos pela atenção.

 

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 36

Lindolfo Collor

Lindolfo Collor nasceu em S. Leopoldo, em 4.2.1890 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21.10.1942. Era filho de João Boeckel e de Leopoldina Schreiner Boeckel. Sua mãe enviuvou e contraiu novas núpcias. Lindolfo adotou o sobrenome Collor do padrasto.

Lindolfo Collor estudou o primário na Barra do Ribeiro, RS, e o secundário na escola do professor Emílio Meyer, em Porto Alegre. Diplomou-se em Farmácia, em Porto Alegre e na Academia de Altos Estudos Sociais e Econômicos do Rio de Janeiro, em 1922

Em 1908 trabalhou como jornalista em Bagé e depois dirigiu o Correio...

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