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Discurso de Posse na Cadeira 33 - Luiz Osvaldo Leite (29/10/2015)
29 de outubro de 2015
Inicio esta alocução [1] manifestando satisfação por este momento que significa minha admissão no sodalício que abrigou, em sua centenária existência, nomes destacados da cultura sul-rio-grandense.
Gostaria, inicialmente, de fazer um registro sobre o local onde se realiza esta posse: Praça da Matriz e seus arredores. Em outra ocasião, registrei a relevância deste cenário em minha vida pessoal e na minha formação intelectual, social, religiosa, política, estética e filosófica. Trata-se da minha Plaza Mayor.
Fui concebido na Rua General Auto, frequentei o jardim de infância e o curso primário no G.E.Paula Soares, nos fundos do Palácio Piratini, os cursos ginasial e colegial-clássico foram concluídos no Colégio Anchieta, na rua Duque de Caxias. Os ritos religiosos iniciais da Primeira Comunhão e do Crisma se efetivaram na Cripta da Catedral Metropolitana,a iniciação musical erudita se deu na antiga Concha Acústica do Auditório Araújo Vianna, localizado onde hoje se encontra a Assembléia Legislativa. A Ópera e as Artes Cênicas, desde 1943, tiveram como palco o Teatro São Pedro. Meu gosto pelas Artes Plásticas foi despertado pelo monumento a Júlio de Castilhos, de autoria de Décio Villares, no centro da praça, e pelos bustos do calendário positivista da Biblioteca Pública, na Riachuelo, onde também nasceu meu amor pelos livros. Minha vida social começou no Clube do Comércio, no antiquíssimo prédio, hoje hotel, ao lado do Tribunal de Justiça. O encantamento com arquitetura antiga brotou da visão do antigo prédio da Assembléia, deste Forte Apache, dos gêmeos Tribunal de Justiça e Teatro São Pedro, do solar dos Câmaras e das residências de Júlio de Castilho e Borges de Medeiros. Minha iniciação política, com o contato com o positivismo, com o marxismo, com o democratismo e com o nacionalismo, se originou na Assembléia Constituinte de 1947, que funcionava no hoje memorial do Legislativo. Iniciei-me na docência filosófica no ensino secundário ensinando no Colégio dos Jesuítas e no ensino superior, no solar, com o mestre Armando Câmara, de quem tive a honra de ser assistente na UFRGS, ambos na rua Duque. Na rádio Farroupilha, também na Duque, garoto de 10 anos estreei na mídia. Na Rua Riachuelo, tomei posse como membro efetivo do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul. Na mesma rua, no espaço de uma livraria, fui admitido no Círculo de Pesquisas Literárias (CIPEL).
Hoje, nesta marcante solenidade, tomo posse na Academia Rio- Grandense de Letras, nesta mesma Praça e seu contorno. A História se repete e continua.
Reza o protocolo dessa solenidade que o acadêmico a ser recebido disserte sobre o patrono de sua cadeira e o último ocupante da mesma. No meu caso, patrono da cadeira é César de Castro (CC) e o último ocupante Clóvis Assumpção (CA). Por curiosa coincidência, ambos estão ligados a atividades profissionais que desenvolvi. CC é um dos pioneiros da psicanálise no Rio grande do Sul, ligando-se a minha atividade como primeiro diretor e professor do curso de Psicologia da UFRGS e autor de alguns trabalhos sobre a origem da doutrina Freudiana em Porto Alegre. CA, até onde minhas pesquisas alcançam, foi o único pensador do nosso estado a preocupar-se com a História da Filosofia no Rio grande do Sul como um todo.
Passemos ao primeiro ato da liturgia desta posse: dissertação sobre o patrono da cadeira.
CC nasceu em Porto Alegre RS, aos 8 de fevereiro de 1884; morreu em Souza, Paraíba, aos 4 de outubro de 1930. Estudou na Escola preparatória de Rio Pardo, RS, em 1899; na Escola Militar de Realengo, RJ, da qual, desligado por revoltoso em 1904 e na Escola de Guerra de Porto Alegre, onde concluiu o curso militar em 1908. Cursou o Estado Maior do Exército, grau de engenheiro geógrafo. Tornou-se médico pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1925.Conferencista, prosador e cronista, foi fundador da Academia de Letras no RS em 1911, e seu primeiro presidente naquela fase.
Merecem destaque as seguintes obras de sua autoria:
Rumores do Silêncio (1906), Flósculos (1907), Esperança Morta (1908), Péan (1910), Frutos do Meu Pomar (1910), A Gaúcha Academia (1911), Esquife de Palissandra (1914), Esgares do Mesmo Rosto (1915), Divagação em Torno de Esportes (1917), Homenagem ao Conde de Porto Alegre (1918), A Cura pela Beleza (1918), Mimi era um Gatinho (1919), A Concepção Freudiana das Psiconeuroses (1925), Postilla (1928) e Aforismos de um Cabo de Esquadra (1928).
Sobre a obra literária de CC prefiro citar contemporâneos que, próximos, tiveram melhores condições de analisá-la. Em tudo me baseio em texto do meu antecessor Clóvis Assumpção [2].
Zeferino Brasil registrou: "Escreve com todos os nervos que Deus lhe deu, visando impressionar e transmitir sensações... não me lembro de prosa que tanto me fizesse vibrar quanto a de CC”. (CC Discurso Crítico. p. 31 e 32).
João Pinto da Silva afirmou: "CC é um artista de altos requisitos, um poeta sutilíssimo”. (CC, Discurso Crítico. p.32).
Abel Botelho avaliou: "o mais requintado artista da prosa portuguesa". (CC Discurso Crítico. p.32).
Enrique González sentenciou sobre o livro Péan: "páginas de filosofia Nietzscheana é a volúpia em Frenesi”. (CC, Discurso Crítico. p.33).
Pery de Mello também sobre Péan radicalizou: "Sua prosa é capaz de nos absorver todos os sentidos de percepção artística. Sua arte é equilibrada numa norma elevada e raríssima.” (CC, Discurso Crítico. p.33).
Roque Callage escreveu: "Aplaudo o autor ... ele tem feito aqui em plagas nossas o que ainda ninguém há feito: formar uma escola nova ,trabalhar e produzir, dando-nos sempre páginas de real valor e que parte do público já começa a ler".(CC, Discurso Crítico. p.38 e 39).
Meu antecessor CA em seu discurso de posse nesta Academia concluiu enfaticamente: “CC é Mestre do Homem pelo resguardo da dignidade profissional, apesar das excentricidades. É mestre do Artista pelas inovações, pureza de essência e de aparência apesar dos exageros. É mestre da Esperança, apesar dos satanismos, divergências incompreensíveis, pedras jogadas em tantos falsos palácios, invocações aparentemente negativas, inconformidades, pois afinal nos entregou a luz para o prosseguimento até o infinito, sob o signo da beleza de inatingível poder à conspurcação, ao medo, a vulgaridade, motivo de permanência e redenção do homem."
Neste momento, desejo salientar que o CC que me interessa é o autor de "A concepção Freudiana das Psiconeuroses”, tese de doutoramento em 1925. Encontrei um exemplar desta obra entre os livros raros da Biblioteca da Faculdade de Medicina da UFRGS. Para quem examina a história da Psicanálise no Rio Grande do Sul, que desabrochou nas décadas de 1940 e 1950, com os estudos de Mário Martins e Cyro Martins [3] e José Lemmertz [4], em Buenos Aires, é surpreendente compulsar esta tese. No ano de sua publicação, Freud já publicara "A Interpretação dos Sonhos" (1900), "Três Ensaios sobre a sexualidade" (1900),"Chistes e sua relação com o Inconsciente" (1905), "Cinco Conferências sobre a Psicanálise” (1910),”Totem e Tabu” (1913),”História do Movimento Psicanalítico” (1914), "Além do Princípio do Prazer” (1920) e “o Ego e o Id” (1923), entre outras. Ainda faltam suas últimas obras e definitivas produções. Pioneiro entre nós, CC, com sua tese, não obteve repercussão expressiva no contexto cultural e científico da época.
Passemos ao segundo ato da liturgia da posse: a dissertação sobre o último ocupante da cadeira, no caso, Clóvis Assumpção.
CA nasceu em Bagé aos 17 de agosto de 1920. Filho de Otávio Assumpção e Alda Pereira de Assumpção. Estudou no tradicional colégio Auxiliadora dos Padres Salesianos (1926 - 1936). Bacharel em Direito pela URGS em 1943 e em Jornalismo pela PUCRS em 1968. Sua esposa Ana Lori dedicou-lhe uma "Antologia especial” (1978). CA foi membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado.
Figura polimórfica exerceu a advocacia, a magistratura na Justiça do Trabalho desde 1948, o magistério universitário do Instituto de Artes e na Faculdade de Filosofia da UFRGS. Destacou-se como poeta, filósofo, ensaísta, conferencista e crítico de arte (Cinema, Artes Plásticas e Literatura) no Correio do Povo (1948-1956) e na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, a partir de 1976. Colaborou com a revista Quixote e incentivou o cine clubismo. Como gestor cultural tornou-se Presidente Fundador da Associação Brasileira de Crítica Literária.
Sua bibliografia é vasta com obras em Filosofia, História, Psicologia, Direito e Crítica. Publicou antologias, mas o volume mais significativo de sua produção foi a Poesia com cerca de meia centena de publicações. "Os títulos de seus livros já são poesia" escreve Albano Marques. A Fortuna Crítica de seus trabalhos é expressiva.
CA recordando juízo usual nos nossos meios culturais ultrapassou em sua produção o Mampituba. Para citar um exemplo, na busca que fiz para adquirir sua obra, não disponíveis em Porto Alegre e em outras cidades, encontrei, através da estante virtual, exemplares seus no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Londrina, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Joinville.
Não pretendo analisar sua poesia. Muitos o fizeram, antes de mim. Baste citar o elogio ao acadêmico proferido pela nossa colega Marília Beatriz Cibils Becker, na cerimônia do Panegírico, realizada nesta sala, no último mês de maio. Apenas me permito registrar a classificação estética de sua poesia por ele mesmo elaborada:
“1ª fase:1938-1943. Correspondente à segunda fase do modernismo brasileiro. Humanismo, poesia social sem partido.
2ª fase:1944-1948. Com mais procura de forma,Imaginismo, correspondente a terceira fase do modernismo ou pós- modernismo. A poesia subjetizava-se com funcionalidade específica das imagens, as quais circulam como num mundo a parte, ou retém alto teor simbólico.
3ª fase:1949-1973. Diarismo, com poesia do dia a dia. De circunstância, das pequenas grandes coisas da vida, sem grandiloquência, sem pretensão, assim como quem não quer nada, como quem pede desculpas por estar presente, do despretensioso." (Astrolábio p. 87 e 88).
Um exame que não farei, mas que se tornaria fértil, é o da dimensão filosófica de sua poesia. Os títulos de suas obras são, muitas vezes, sugestivos, filosoficamente falando: "Socratizo nas portas da noite", lembrando o mestre grego; "Flutuações e Permanência do Transitório”, sugerindo Parmênides, Heráclito e Aristóteles com a concepção do ato e da potência; “Intromissões do Antes no Agora", mencionando as concepções do tempo; “Impromptu no território da beleza", recordando suas teorizações estéticas; "Quids dos segredos do poeta", aludindo a interrogações medievais; “Anatomia e Metafísica do Jazz", admitindo que tudo pode se tornar objeto da ontologia.
Na análise da bibliografia de CA destacarei sua presença nas Ciências Humanas. Primeiramente, fixar-me-ei na filosofia.
CA não admitia ser chamado de filósofo. Afirmava ser apenas um admirador, um amigo da filosofia. Filiou-se aos pensadores gaúchos que denomino, em uma tentativa de tipologia, socráticos. Muito filosofaram, pouco ou nada escreveram, como Sócrates.
Em sua produção filosófica podemos destacar:
- Astrolábio (1972-1973). Diário do Filósofo. 1974.
- Dimensão do Heroísmo. Antropologia Filosófica.1974, com 2ª Ed. em 1991.
- Filosofia da Arte Poética Moderna. 1991.
- Filosofia da Arte Moderna.1991.
- O Triângulo. Filosofia da Arte. 1991.
- Filosofia da Ciência.1991.
- Liberdade Espacial. Antropologia Filosófica. 1991.
Análise especial merecem dois textos:
O primeiro é “Astrolábio. Diário do filósofo (1972-1973)” [5]. O livro é o que o título refere: diário filosófico que se iniciou aos 3/11/1972 e se encerrou em 31/12/1973.Lamentavelmente, devemos dizer que gostaríamos que o autor escrevesse o diário por mais tempo. Cabe a pergunta: Será que não o redigiu? Não figura este texto entre seus inéditos? A obra é dedicada a Armando Câmara, de quem tive a honra de ser assistente de História da Filosofia, na Faculdade de Filosofia da UFRGS. Mestre de gerações, filósofo do Solar e chefe de escola, foi professor de CA na Faculdade de Direito e ratificador de seu nome no Instituto de Filosofia da UFRGS.
Neste trabalho, CA disserta sobre a origem do pensamento segundo pesquisa realizada como estudante. Analisa o fenômeno da comunicação sob o ponto de vista filosófico. De modo curioso e inédito, arrola elementos para uma política filosófica. Escreve:
"Precisamos incentivar a divulgação da filosofia partindo de um plano universal para as atividades no Brasil e especialmente no RS. Realçar os valores isolados, os quais levaram a efeito contra qualquer expectativa de possibilidade. Embora nem sempre o nível seja dos mais elevados, as modestas realizações são significativas e muito importantes para nós. Necessitamos enquadrar, divulgar e alimentar a modesta tradição, pois nela está o princípio e a justificativa de tudo. Carecemos de multiplicar o número de faculdades. Já existem muitas, mas criaremos mais. Fundar institutos de filosofia, ligados às universidades ou faculdades de filosofia. Organizar escolas da sabedoria, onde sem o fito de formar professores, haja o escopo do estudo da filosofia, com a inauguração do hábito do debate nos moldes que planejei há anos instruir na cidade de Bagé. Abrir clubes de filosofia onde em ambiente mais aberto e popular se possa introduzir o cultivo da filosofia e principalmente divulgá-la de maneira amável e amena. Ampliar a atuação das sociedades de filosofia. Criar conselhos – Municipal, Estadual e Federal - como unidades de supervisão, reconhecimento, registro. Enfim controle de toda a iniciativa inerente ao organismo. Editar obras de filosofia, especialmente de histórias brasileiras e rio-grandenses. Fundar revistas especializadas de filosofia, onde for possível, desde aos universidades até o particular interessado. Incentivar prêmios de filosofia para diplomados, professores, autodidatas, pesquisadores e estudantes para o trabalho de pesquisa sobre épocas, escolas e individualidades. Tudo deve ser apontado para despertar vocações. Estender em quantidade e qualidade o fascínio da filosofia. A boa, a bem orientada divulgação pode atrair gente de qualquer profissão e de modo especial os jovens, pois é bom começar desde cedo. Afinal tudo é Filosofia, mas precisamos realça-la convenientemente, sensibilizar opinião, torná-la coisa habitual, destruir o tabu. Eliminar o princípio de que se trata de algo inacessível, extremamente complicado e bem do domínio de poucos". (Astrolábio p. 39 - 41)
CA em seu diário, fiel à sua posição de juiz do trabalho, desenvolve alguns aspectos de Filosofia do Direito. De modo específico, salienta a dimensão filosófica e ética do juiz do trabalho. Reivindica a posição filosófica do juiz, bem como sua formação cultural. Igualmente enfatiza a formação continuada, permanente, arrola as virtudes do juiz. Disserta sobre o próprio ato de julgar. Em todo seu arrazoado não esquece aspectos fundamentais da justiça do trabalho.
O segundo texto precioso de CA na área filosófica, é a “Dimensão do Heroísmo: Antropologia Filosófica”.
Antônio Justa afirma: "Para criar esta obra, o escritor CA inspirou-se e abraçou a epopéia mais antiga e que tem como herói Gilgamesh. Quem foi esse herói lendário e como se deu sua luta? Herói dos assírios e dos babilônios, também conhecidos pelas versões sumerianas e hititas. Gilgamesh soberano de Erech, governou seus domínios com demasiada severidade e por isso os deuses decidiram mandar castigá-lo. Enviaram contra ele um homem poderoso, selvagem chamado Enquidu. Gilgamesh saiu vencedor da luta travada e ambos se tornaram amigos. A deusa Istar, desgostosa, jurou vingança: o touro gigantesco mata Enquidu. O herói consulta o sábio Utnapichtin, senhor do segredo da vida eterna. O sábio contou-lhe como se salvara do dilúvio, e mostrou-lhe, no fundo do oceano, a planta da vida. O herói busca a planta para fazer reviver a Enquidu e curar-se também do mal que sofria ... Gilgamesh para CA não é apenas uma das célebres figuras da Ásia menor ... a luz de sua visão filosófica, Gilgamesh está entre nós como criatura de permanência, porque o herói revive na história do homem em seu próprio destino. Gilgamesh é o arquétipo em que o escritor assentou a base filosófica de seu livro. Livro que é uma lição profunda de vida, um exemplo de grandeza, uma ressurreição da história natural do homem, uma clarinada para despertar o homem que dorme em cada homem e trazê-lo para luta. “Dimensão do Heroísmo” é um trabalho de reconstrução na fase movediça do mundo de hoje, é um brado que sacode os elementos deslocados para chama-los ao equilíbrio. O herói tem, como o santo, natureza super-humana. Andam juntos no sobrenatural, mas separam-se por compromissos e atos inelutáveis: um com a coragem, outro com a renuncia. Coragem: a vitória em si mesmo. Renúncia: a esperança já feita graça."
Vejamos agora alguns fragmentos de essência filosófica a ser destacado na Dimensão do Heroísmo:
O homem precisa auxiliar o homem. Não basta diagnosticar, é preciso curar ou tentar a cura pelo menos. É fundamental reaparelhar o homem, ampará-lo, reajustá-lo. Enfraquecido de corpo, de psique, de mente. Coordená-lo num estilo de vida, fortalecê-lo, impulsioná-lo. Mobilize-se o melhor dele. Reavive-se a esperança , dignifiquem-se os fins.
O móvel da vida sempre foi à coragem, o natural instrumento de inovação. Ela está presente em tudo, a partir do instante do nascimento. Ela se soma aos múltiplos valores e é princípios de afirmação e de sobrevivência, por ser condicionadora do heroísmo fundamental nos nossos dias, como o foi sempre.
O heroísmo deve ser cultivado e propalado. Uma das melhores maneiras de fazê-lo é por intermédio do cultivo e da divulgação dos mestres do heroísmo. Assim é possível chamarmos o incentivo a ordem do dia. O reconhecimento de tal valor será um dos suportes a revitalização do humanismo.
Repete-se a história do homem e seu destino. Hércules, como Gilgamesh, representa a vontade de enfrentar o destemor, a autoafirmação, a coragem. Ambos encarnam o melhor do homem, em face dos problemas de todo dia, de toda a vida, do sentido existencial.
Gilgamesh é o arquétipo em que o escritor assentou a base filosófica de seu livro. Livro que é uma lição profunda de vida, um avultar de grandeza.
CA não se conforma com o homem esmagado por uma sociedade individualista. Não aceita o homem sem os valores de sua espiritualidade, CA se opõe ao homem robô, ao homem máquina, ao que vive sem pensar. O escritor justamente inconformado pede o retorno da humanidade e aí é que está a grandeza, a renascença. Nesse passo ouçâmo-lo: "a renascença descobriu o homem.
O geral passou a desempenhar papel preponderante, soberano da natureza, tornou-se ponto de referência, o alvo da criação, um super produto na ordem. Deixou de ser apenas um dependente para ser senhor: a realidade em torno para ele foi criada, tudo se adaptava em justo equilíbrio e hierarquia" .
Note-se a força filosófica desse escritor, que em poucas linhas define a grandeza da renascença. Somente o homem renascentista foi despojado de ingenuidade de primitivismo e de dependência. Ganhou em curiosidade, em indagação, em requinte. Enriqueceu-se em soberania em face da autoridade obtida ao valor e ao reconhecimento da importância de pensar.
CA não vislumbra futuro promissor enquanto o homem estiver pensando e sentindo cada vez menos. Não obstante, o culto e magnífico pensador termina essa sua obra de antropologia filosófica externando sua esperança no homem brasileiro: "No Brasil o homem, felizmente, não foi desgastado como em outros países do mundo. Sobram-lhe reservas que podem ser destacadas, como a do heroísmo, tão presente em todo o nosso processo histórico".
Associando-se aos intelectuais que homenagearam CA, Antônio Justa encerrou sua apreciação sobre a obra filosófica de CA : “é nela que encontro o melhor de sua privilegiada inteligência, o mais alto da sua voz e o mais apurado de sua diamantina grandeza de pensador".
Caberia, neste momento, uma indagação. Qual a concepção da escola filosófica de CA ? Difícil de responder. Não há depoimentos ou escritos dele ou sobre ele sob esse aspecto. Pessoalmente não o entrevistei e desconheço que alguém o tenha feito sobre a sua cosmovisão pessoal.
Tentarei um esboço com algumas linhas de aproximação. Sua filosofia é materialista, mas não do tipo materialista histórico de Marx. CA não é um teísta. Em seus livros, jamais aparece o nome de Deus. Foi antiteísta? Foi ateu? Foi agnóstico? Inclino-me pela última alternativa, sob a influência de Augusto Conte. CA Foi um antropocêntrico, sua filosofia é a filosofia do Homem. O homem é o seu interesse. Com Terêncio poderia afirmar “Nihil humani a me alienum puto - Nada do que se refere ao homem me é alheio", mas o seu antropocentrismo não se restringe ao individual, sua preocupação é também social. CA foi também um personalista na linha de um E. Mounier. CA foi um pensador com preocupações existenciais, como Kierkegaard e sua Dor, sua Angústia e seu Desespero, ou como Martin Buber, para quem não existe um "eu" sem um "tu", ou como M. Heidegger para quem o homem é "In der Welt Sein - Ser no mundo", mundo que inclui a terra, a casa, a querência, ou, finalmente, como Gabriel Marcel, com seu "étre et avoir - ser e ter". CA certamente não afirmaria, como Sartre, que os outros são o inferno.
Em análises e críticas literárias, em geral são examinados textos prontos. Em alguns casos, tornam-se objetos de estudos redações inéditas, trabalhos não concluídos. Nesta altura da minha reflexão mencionarei obras de CA que talvez não existam, ou que não foram publicadas, mas somente anunciadas. Talvez, estejam prontas, ou quase prontas ou pelo menos esboçadas, no arquivo de inéditos do autor, lamentavelmente ainda não aberto ao público. Em sua obra "Astrolábio", anteriormente citada, CA apresenta o que denomina "Esquema da minha atual preocupação na filosofia", onde anunciou uma História da Filosofia do Rio Grande do Sul, uma Filosofia em Bagé, uma História da Filosofia Uruguaia, uma Filosofia da Arte, uma Filosofia da Arte Moderna, uma Antropologia Filosófica e uma Sociologia Filosófica.
História da Filosofia do Rio Grande do Sul
CA anunciou uma História da Filosofia do Rio Grande do Sul.
"Não pretendo escrever a história de certa filosofia, nem da de alguns filósofos... um panorama fiel deve incluir todas as gamas do pensamento sem qualquer noção de conveniência, pois qualquer conveniência é imprópria e desarrozada. Minha intenção, como em todo o pouco que realizei, não pretende atrair a atenção de gregos e troianos, mas prestar um serviço, o qual se traduz em isenção. Qualquer resultado será aproveitado para especialista do futuro com a publicação de uma "História da Filosofia do Rio Grande do Sul”. Sem qualquer intenção de evidenciar característica própria do pensamento Riograndense numa História de Filosofia, embora existam traços inconfundíveis, o escopo é destacar a contribuição à filosofia brasileira, por sua vez desconhecida e ignorada no exterior e infelizmente, também no Brasil.
Procuro alguma utilidade da compreensão da filosofia brasileira com levantamento das ideias do Rio Grande do Sul praticamente desconhecidas no Brasil. Se a experiência brasileira é jovem, muito mais o do Rio Grande do Sul, onde o próprio pensamento literário é do início do século XIX. Antes se estava preocupado com problemas bem mais candentes e imediatistas. Era preciso conquistar, colonizar, delimitar fronteiras, construir estâncias e cidades com toda infraestrutura necessária para a própria subsistência. Está na hora de se dar o primeiro passo com a apresentação sistemática de nossos valores, numa espécie de exercício descoberta. Só o fascínio de tal aventura do espírito compensa qualquer sacrifício e o risco da responsabilidade.
Apontando apenas um aspecto da filosofia do RS pode-se destacar aquele comum ao pensamento brasileiro, ou seja, a participação ativa dos pensadores na vida corrente e a exposição de ideias voltadas para a prática. Daí a linha de base do nosso pensamento de ser fiel à ação, à religião, ao partido. Assim, a participação é característica como estrutura da vida estuante. Não há o simples mecanismo a usufruir ginástica mental em qualquer área levada por efeito a ela mesma, num simples virtuosismo ou a sutileza da sutileza, a profundidade pela profundidade. Afinal Filosofia não é quebra-cabeça e nem mistério. Destaca-se esta atividade, esta prática muito característica e muito importante para compreensão da nossa maneira de ser." (Astrolábio. p. 33 - 35)
Filosofia em Bagé
CA anunciou, também, como capítulo da sua História da Filosofia sul-rio-grandense um registro sobre filosofia em Bagé. Afirmou:
"Bagé é a cidade dos filósofos ... pois sinto inquietações derivadas de tal informação, inclusive entre os próprios bageenses. As coisas da sabedoria são assim, pois ela se esconde o mais que pode.” (Astrolábio, p. 79). Pessoalmente, julgo imprescindível setorizar o estudo do pensamento do RS, fixando-o em regiões e ou cidades como Pelotas e Rio Grande, na Zona Sul; Santa Maria, no centro do Estado, Passo Fundo, no Planalto; Caxias do Sul, na Serra, São Leopoldo no Vale dos Sinos e Bagé, na Fronteira Oeste.
Necessito encontrar tempo necessário para a pesquisa do material de Bagé, incluindo a experiência positivista, cujos integrantes foram incidentalmente registrados por Ivan Lins, na sua "História do Positivismo no Brasil". A referência é simples: "Em Bagé, a partir de 1890, os Drs. Domingos Pinto Figueiredo de Mascarenhas, Veríssimo Dias de Castro, Cap. João A. de Oliveira Valle, Cap. Maurício Antônio de Lemos, Vicente Lucas de Lima, e
J. Lucas de Lima constituíram um núcleo positivista". Ampliar com valores inéditos e incluir a manifestação do liberalismo a partir de Gaspar Silveira Martins, nascido em Aceguá,Bagé,aos 05/08/1835 e Pedro Luís Osório, nascido em Bagé aos 09/06/1854. Também posicionar o papel altamente representativo do Doutor Pena, médico benemérito de Bagé, num levantamento compreensível da primeira fase do pensamento bageense. (Astrolábio, p. 30 e 31). Incluir o bageense Pastorini. Sempre o conheci odiado, vilipendiado e desprezado. Embora jamais tenha tido contato pessoal, sabia de sua alta inconveniência, incorreção e indelicadeza. Se alguém quer ser fiel a si mesmo, e quem poderá deixar de sê-lo sendo filósofo, tem de retratar no gesto, na atitude, no estilo de vida enfim, o que realmente é. Se a sua preocupação era de arrasar, jamais poderia com sinceridade ser amável, convencional e apropriado. Sem qualquer formação universitária, ou especializada, ordenava suas ideias e as jogava na rua, quer dizer no panfleto. Jamais teve a preocupação de ser um filósofo, pois só queria lutar sem qualquer outra finalidade, nos clássicos padrões do anarquismo. Era um homem simples e com simplicidade passou toda sua vida. (Astrolábio, p. 32 e 33).
Incluir entre os filósofos mais recentes os bageenses Félix Contreiras Rodrigues e Áttila Taborda. Além de sua participação na arte e na ciência, Félix Contreiras Rodrigues trabalhou na filosofia. Necessito efetivar estudos de suas experiências neste campo. Mantido sempre em linha de sobriedade, independente, afastado de qualquer promoção pessoal, manteve sempre viva sua atividade intelectual tanto na estância como na cidade de Bagé. Coordenar sua atividade filosófica não só vazada na obra como tal, como inserida em publicações várias,bem como procurar as fontes inéditas constantes de originais, incluindo notas e apontamentos atualmente em poder de seu filho Eduardo. A divulgação da atividade filosófica de Félix Contreiras Rodrigues é insignificante entre nós. Não é demais lembrar que as próprias faculdades de filosofia são recentes, sendo a de Porto Alegre, a mais antiga do Estado, existe há apenas 30 anos.
Assim como fui aluno de FCR, também o fui de Áttila Taborda, protótipo de correção, professor, médico benemérito. Fundou a Faculdade de Filosofia de Bagé e outras unidades de ensino superior. Como filósofo, expressou-se em "Vila Vicentina" onde constam pronunciamentos levados a efeito por ocasião do lançamento da pedra fundamental e da inauguração dos primeiros apartamentos. Publicou "Leão XIII, Karl Marx e o problema social" onde manifesta seu ponto de vista mantido sempre dentro dos roteiros do catolicismo. Ainda é de Áttila Taborda "Origem da vida em nosso planeta à luz da biologia moderna" onde o filósofo aborda problemas como "O mistério da vida, condições essenciais da vida, a vida nem sempre existiu em nosso planeta, como surgiu a vida?, A hipótese dos cosmozoários, a geração espontânea, o humanismo de Heckel", etc ... Na segunda parte de sua obra inclui "escolas vitalistas, definições da vida e modalidades da vida", entre outros capítulos, além de uma “história sucinta do aparecimento dos seres vivos”. (Astrolábio,p. 36 e 37)
História da Filosofia Uruguaia:
Com a palavra CA:
“Na velha pesquisa sobre cultura Uruguaia objetivada , em parte na minha "História da Pintura Uruguaia" escrita há anos e agora pronta para publicação deparei com significativo processo do pensamento, o qual revelarei numa "História da Filosofia Uruguaia"... concluí para pesquisa uma lista de pensadores aos quais outros devem ser somados devendo a mesma ser realizada, constante de 45 pensadores pertencentes a variadas orientações filosóficas,como racionalismo, positivismo, spencerismo, darwinismo, materialismo,idealismo,culturalismo e catolicismo”.
Entre os citados, figura Juan Llambias de Acevedo, diretor do Instituto de Filosofia da Faculdade de Humanidades e Ciências da Universidade da República de Montevidéu, que proferiu conferência sob o título "La fenomenología como Método de la Filosofia", no Instituto de Filosofia da UFRGS em agosto de 1959. Faço esse registro, porque minha indicação para Academia foi feita por um intelectual uruguaio, o prof. Dr.Ruben Daniel Castiglioni, do Instituto de Letras da UFRGS, que acaba de me saudar. [6]
Esboçados suas histórias da filosofia, CA envereda por outros campos filosóficos, com a Estética, a Antropologia e a Sociologia Filosófica.
Filosofia da Arte e Filosofia da Arte Moderna
"Concluída minha "Filosofia da Arte Moderna" com base em artigos e conferência depois do trabalho de adaptação, da linguagem do gênero, a escrita como tal, preciso coordenar a "Filosofia da Arte".
Neste livro aproveitarei a matéria dada em aulas em meus cursos no Instituto de Filosofia e na Faculdade de Filosofia da UFRGS. Manter as cinco bases de referência: Egito, Grécia, Idade Média, Renascença e Modernismo num sentido culturalista, historicista, humanista. Destacar a significação do artista, da peça de arte e do espectador. Realçar: o estaticismo da arte oriental representada pelo Egito. A importância do homem para o grego na institucionalização da Paidéia e sua independência criativa, multiplicando o poder do artista. A unidade da fé na Idade Média com o totalitarismo da norma. A revalorização renascentista através do típico posicionamento do voltar-se ao passado, do reencontrar-se consigo mesmo à procura de uma situação no cosmos. Finalmente, a multiplicidade do mundo contemporâneo com plena margem do artista na criação na arte à maneira, perdido numa liberdade que não sabe usar, a obra de arte como representação do mundo e o tumulto causado ao espectador conflitado numa vida de contradições e paradoxos. Reunir em um livro minhas considerações de estética. (Astrolábio,p. 37 e 38) Estas breves considerações me fazem lembrar um episódio ocorrido há algum tempo. Tendo passado a lecionar Filosofia da Arte no curso de filosofia da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, o mais antigo estabelecimento do tipo no Estado, naturalmente encarei o compromisso com a responsabilidade necessária, tomando precauções inclusive face a passagem à minha experiência de professor de ciência para professor de arte e ainda injunções decorrentes de tumultos estudantis, entre outras. Então um amigo me aconselhou a ser o mais técnico e difícil é complicado possível, para ir bem. Ao qual respondi: "qualquer coisa menos criar dificuldades para os outros" e pensei: “se deixo de ser eu mesmo, deixo de ser”. (Astrolábio,p.78)
Incluir em breve introdução na minha História da Filosofia do Rio Grande do Sul este sentido utilitarista, despretensioso e bem brasileiro da evolução das nossas ideias em torno de preocupações filosóficas, jamais de evasão ou fuga, mas de vital naturalidade ao senso prático... E convenientemente escrever sobre kierkegaard, Sartre ou alguém na moda. É efetiva a importância em toda parte do filósofo de interesse universal. Assim, compreensível se torna a preocupação e a pesquisa a cerca de tais pensadores e justificada sob todos os pontos de vista. Ocorre que entendo se dava descobrir, divulgar e investigar nossos filósofos. Questão até de dever, pois se cada um não se interessa pelos seus, quem se interessará? Além disso, o importante não é ser universal, mas sim existir. Devemos assim prestigiar o mais possível à filosofia do Rio Grande do Sul, subsídio importante à filosofia brasileira. Qualquer trabalho digno realizado neste campo servirá inclusive de informação aos historiadores da filosofia nacional. É um lugar comum que deve ser evidenciado, pois pelo fato de ser o mais pacífico entendimento e da mais primária ocorrência, nem por isso tem mobilizado, como é de se exigir, movimento efetivo de pesquisa e realização completa jamais levados a efeito. É significativo pelo menos a chamada de atenção ao problema, quando menos para sensibilizar, agudizando o interesse para tão importante setor da cultura, o qual não tem sido cultivado, nem ao menos nas faculdades de filosofia, onde a preocupação com as grandes escolas e com os nomes relevantes do período contemporâneo tem afastado em torno das realizações levadas à efeito, modestamente pelos filósofos do Rio Grande do Sul. Precisamos incentivar a divulgação da filosofia partindo de um plano universal para as atividades no Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul. Realçar os valores isolados, os quais levaram a efeito contra qualquer expectativa de possibilidade. (Astrolábio. p. 39 - 40).
CA menciona alguns autores que gostaria de incluir na sua história.
Além dos pensadores de Bagé sobre os quais falaremos a seguir, insisto em alguns nomes. Manter em princípio na minha História da Filosofia do Rio Grande do Sul os nomes incluídos no processo filosófico brasileiro, conhecidos nos roteiros dedicados ao Brasil, em histórias gerais, como acontece no caso de Leonel Franca em suas "Noções de História da Filosofia”. Conservar os Rio grandenses relacionados nas histórias brasileiras de filosofia, como na de Luís Washington Vitta. Finalmente incorporar os apresentados nas histórias da filosofia do Rio Grande do Sul publicadas em revistas especializadas como ocorre com Salgado Martins, conforme sua própria revelação, o qual prometeu me comunicar o texto e não pode fazê-lo. Assim através destes exemplos, serão incorporados no livro entre outros: Júlio de Castilhos, Araújo Porto Alegre, Armando Câmara, Álvaro Magalhães Ernani Maria Fiori e Gerd A. Bornhein (Astrolábio, p.101).
CA acrescenta:
Outro pensador é Francisco Valdomiro Lorenz. Esse modesto professor primário, do começo do século XX, em atividades no interior do município de Camaquã, São Feliciano, é um relevante filósofo. Viveu na maior obscuridade e modéstia, como convém. Linguista, poliglota, filólogo, norteou sua vida dentro de estranho misticismo, muito mais estranho para sua época. Tudo se define com a posição de certa filosofia ocultista. Felizmente colaborou muito com a Editora Pensamento, assim em “Cabala" onde realiza um estudo da gênese conforme entendimento específico partindo de seu conhecimento da língua hebraica. Não é em vão que alguns filósofos se dedicaram ao estudo de línguas antigas, como aconteceu com Swedenborg. Preludia, no entanto, tal interpretação das normas necessárias ao entendimento da matéria, não só do gramático como tal, como das chaves cabalísticas aplicadas desde a letra e o vocábulo explicando o sentido do texto no sentido comum e no sentido cabalístico tanto teórico como prático. Estudar as passagens de sua vida quando do entendimento direto com alguma teoria filosófica, numa preparatória do ajuste as experiências do filósofo para o final esquema de sua realização.
Prosseguindo na citação de pensadores sul-rio-grandenses, CA manifesta o desejo de “incluir Affonso Urbano Thiesen na minha “História da Filosofia do RGS”“. Conheci-o Diretor do Instituto de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando me solicitou que promovesse um curso de Filosofia da Arte com a duração de um ano, levado a efeito em 1969. Com alegria para mim, Thiesen consultou antes do convite a Armando Câmara, o qual me conhecia de perto desde o início de 1939, quando por dever de ofício lhe expus em vestibular meu ponto de vista sobre Plotino. Affonso Urbano Thiesen estudou pormenorizadamente no Brasil e na Europa, em alemão e em russo, o materialismo histórico e de maneira específica a obra de Lenine, tendo se manifestado sobre o assunto em várias oportunidades. Analisando com lógica implacável a teoria leninista foi coordenando seus argumentos até a efetivação de livro com extensa referência bibliográfica, ao amparo de vasta biblioteca especializada, composta durante vários anos. Esclarece Affonso Urbano Thiesen no prefácio da edição brasileira: “Parece-nos oportuno salientar não termos escrito o livro com intuito de refutar o Marxismo-Leninismo e sim com o de examinar a existência e a natureza da Ética Política nas obras de Lenine”. Tentamos fazê-lo investigando-lhe os próprios fundamentos da doutrina política. Não inquirimos, apenas, se Lenine afirma ou nega Ética Política. A propósito do livro se manifesta Ruy Cirne de Lima: “Nesse espírito, há de ser lido o livro, minucioso e exato de Affonso Urbano Thiesen,- excelente pela abundância da informação, excelente pela elegância da exposição".(Astrolábio, p. 73 e 74).
Convém registrar que Thiesen foi o fundador da hoje Unisinos, embrião da atual Universidade, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Cristo Rei da qual fui aluno de sua primeira turma, embrião da atual universidade Unisinos.CA conclui sua intenção de escrever sobre a filosofia gaúcha com informação ousada e surpreendente:
"Todavia minha preocupação centraliza-se nos desconhecidos, nos marginalizados e nos esquecidos, com interesse da apreensão das linhas gerais do pensamento e revelações em torno de personalidades por vários motivos não estudadas, numa perspectiva sistemática.” (Astrolábio, p. 101).
Antropologia Filosófica
No diário, CA anunciou a elaboração de uma antropologia filosófica, isto em 1973. Talvez a concretização desta iniciativa se deu com a obra “Dimensão do Heroísmo” (1974), anteriormente referida, no diário. Entretanto, CA faz algumas anotações sobre o tema.
"O conjunto de dados do progresso material se sintetiza no vocábulo técnica. A importância da técnica é indiscutível, louva-se o seu significado e a capacidade do homem de administrá-la. Porém qualquer colegial sabe tornar-se a técnica irrelevante, quando prejudica o homem. Assim é preciso colocá-la na devida posição, ou melhor, relacioná-la com seu criador, atrelando-a como dependente. O visto, contudo é o homem triturado pela técnica, seu claro vassalo. O homem está sendo educado para seguir os ditames, as instruções e as necessidades da máquina. Multiplicam-se os compromissos em função da exigência da máquina. As vidas mobilizadas em imediata ou mediata a função dela. As variantes da máquina se multiplicam em quantidade e qualidade. Do micro ao macro os monstros são inventados e alimentados e tudo redunda na multiplicação de problemas, sem falar nos seus resíduos, nas suas dejeções tão gritantes a ponto de se tornarem presença perene na notícia diária. Então a criatura, há muito está devorando o criador, o qual ao invés de se defender a fortifica e a aperfeiçoa.Alimenta-se do que foi servido, enquanto homem se agita na quase totalidade das vezes entre o supérfluo e o absurdo. (Astrolábio,p. 41 e 42).
Tenho destacado a importância da cultura no sentido antropológico, ou seja, a totalidade do acervo das realizações do homem, em sua riquíssima gama de variedades, incluindo desde a acha de pedra ao pensamento filosófico. Todo o obtido através das idades, com imenso sacrifício, somando nas múltiplas tentativas, erros, acertos, revisões, constitui o poderoso manancial planejado pelo homem. Há que se registrar a presença deste progresso às vezes imperceptível num sub-reptício desenvolvimento. Os dados da cultura não somente impulsionam o homem e o acompanham de maneira constante, como o alimentam e o modelam em algumas oportunidades de forma visível. Infundindo-lhe características. Se for válida a observação para o homem em geral, num plano extenso, muito especificamente se manifesta em grupos onde o próprio plano de vida se reveste em elementos integrativos de sua cultura. Precisamos ponderar a ocorrência desses fatores atuantes de maneira continua, para maior compreensão e entendimento do homem. (Astrolábio,p. 100 e 101).
Sociologia Filosófica
CA escreve:
"Abordei os aspectos dinâmicos de uma Sociedade Preservada, partindo do pressuposto da necessidade de sua institucionalização. Assim a temática se prendeu aos termos de funcionamento. Como preliminar, destaquei o sentido histórico do desenvolvimento com a culminância em algum tempo de plena maturidade, com as consequências de determinada realidade a enfrentar. Como a adaptação, o diálogo, o bom entendimento entre sociedades nacionais, dependem grandemente de suas respectivas dinâmicas, referi os termos dessa sociedade preservada, face a ajustada integração na sociedade ecumênica. Sem a perda de características nacionais, deve haver harmonia nos respectivos funcionamentos, devendo-se manter a sociedade brasileira em campo desprovido de temores, de ameaças, de desentendimentos, em atividade internacional harmônica.
Respaldado o funcionamento por valores integrativos e funcionais, dentro de vetores pré-determinados, ou seja, sobre autoridade emanada nos moldes brasileiros antigos e sempre revigorados. Assim, os valores da cultura, os moldes da civilização e as varias modalidades de tradição locais, integrativos do sistema nacional movimentarão os termos de encontro com outras sociedades nacionais, com a indispensável segurança, originando energias múltiplas, nos termos de tranquilidade, soberania autêntica, solidariedade com renúncia a qualquer imposição de força.”(Astrolábio,p. 98 e 99)
O segundo ato da liturgia de posse está concluído. Dissertei sobre o patrono da cadeira e sobre o seu último ocupante. Só me resta neste final, agradecer.
Em primeiro lugar, meu reconhecimento ao Prof.Dr.Rubens Daniel Castiglioni. Sem sua iniciativa, nada do que está aqui acontecendo teria se concretizado.
Em segundo lugar, meu obrigado ao Colegiado da Academia, que aprovou o meu nome, tendo a frente o presidente Avelino Collet, que coordenou todo o processo.
Esta posse não é ato isolado, produto de uma geração espontânea, mas possui raízes e um percurso histórico.
Por esta razão, importa agradecer a todos os que oportunizaram ser o que sou.
Aos meus pais, pela vida.
À Luiza, pelo amor e apoio permanentes.
Ao Diego, à Fernanda, ao Thiago e à Mariana, pela felicidade do lar
Ao Rodrigo, pela memória sempre viva.
Aos familiares,irmã,cunhados e cunhadas, sobrinhos, pela solidariedade.
Aos mestres pela sabedoria.
As instituições ,onde labutei, pela acolhida. Aos antigos alunos, pela presença.
Aos amigos, pelo convívio. A igreja, pela fé.
Para concluir, recordo o poeta nordestino. "O parafuso humilde, no lugar exato, realiza a função prevista e é, em seu posto e em seus limites, tão útil e tão perfeito como grandes estadistas à frente de países." Que eu, nesta Academia, seja o parafuso humilde.
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NOTAS:
[1] Alocução pronunciada pelo Prof. Luiz Osvaldo Leite, aos 29 de outubro de 2015, no auditório do Palácio Histórico do Ministério Público, sito a Praça Marechal Deodoro, em Porto Alegre, por ocasião de sua posse na Academia Rio- grandense de Letras, na cadeira n° 33, quando foi saudado pelo Paraninfo Dr. Ruben Daniel Méndez Castiglioni.
[2] Assumpção, Clóvis."César de Castro. Discurso crítico". Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Crítica Literária. 1981. p. 31 a 39.
[3] Leite, Luiz Osvaldo. “Centenário de Dois Pioneiros da Psicanálise no Rio Grande do Sul". In: Neuberger, Lothário. “Centenários”. Porto Alegre: Ediplat. 2008. p. 155 - 162.
[4] Lemmertz, José. “Memórias de um Psicanalista". São Leopoldo: Unisinos, 2003.
[5] Edição Amatra, Porto Alegre RS.
[6] Os 45 pensadores uruguaios, citados por CA, são os seguintes: Teodoro Miguel Vilardebó, sábio; Angel Floro Costa, positivismo; José Pedro Varela; Júlio Herrera y Obes; Gonzalo Ramirez, depois darwinista; Carlos Maria Ramirez, racionalismo do Clube Racionalista; Justino Jimenez de Arechaga; Carlos Maria de Pena; Pablo de Maria; Juan Gil; Eduardo Acevedo Diaz; Juan Carlos Blanco, racionalismo, do Clube Universitário; Manuel B. Otero; Prudencio Vasquez y Vega; Anacleto Dufort e Alvarez, catolicismo do Grupo do Ateneu; Carlos Reyes; Julio Jurkowski, José Arechavaleta, Vasquez Acevedo e Martin C. Martinez, positivismo, darwinismo e spencerismo; Massera, Dellepiano, Gronpone, Gil Salgueiro e Benevenuto, da experiência; Pedro Figari e Santín Rossi, da matéria; Emílio Oribe e Fernando Beltramo, da idéia; Soler, Legrand, Salaberry e Antonio Castro, da igreja; Alberto Zumfeld, também da experiência, Juan Llambrias de Acevedo e R. Fabregat Cuneo , da Cultura; Aldo E. Solari, Manuel Arturo Claps, Rodolfo Fonseca Muñoz. Arnaldo Gomensoro, Carlos Real de Azúa, Roberto Ares Ponds, Juan J. Fló e Arturo Ardao.