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Discurso de Posse na Cadeira 35 - Jane Tutikian (29/09/2009)

29 de setembro de 2009

Senhor Presidente da Academia Rio-Grandense de Letras, Escritor Francisco Pereira Rodrigues; Acadêmico Poeta Luiz de Miranda; Autoridades presentes e representadas; Acadêmicos; Senhoras e senhores; meus Amigos e meus familiares:

Minha primeira palavra e de gratidão, de alegria e de carinho. Começo com a palavra da alma, aquela que segundo Otavio Paz, ''todos os homens, desde que o homem existe, já pronunciaram: Obrigada!" Obrigada por me concederem esta honra tão grande de, neste momento, tomar posse na Academia Rio-Grandense de Letras, que tem como patronos tantos nomes ilustres.

E, se começo com a palavra pronunciada por todos os homens, em todos os lugares e em todas as línguas, desde que o homem é o homem, não posso deixar de refletir sobre o quanto vimos nos afastando da palavra do grupo, do coletivo, do solidário, do ético, do efetivamente humano, não posso deixar de refletir sobre o papel do escritor e sua relação com essa mesma palavra.

O questionamento da ideia de modernidade e a voga de uma noção de pós-modernidade terminaram trazendo consigo a crise das idéias, dos parâmetros e das crenças básicas, dos absolutos religiosos ou filosóficos, éticos ou estéticos, que moveram a humanidade por todos os séculos. É o momento fronteiriço a que refere Vargas Llosa. Uma época, uma cultura e uma historia que chegam ao fim, enquanto se inicia outra... Vivemos, sim, em uma sociedade possuída pelo ritmo alucinante de produzir mais para consumir mais, uma sociedade que tende a converter as idéias, os sentimentos, a arte, o amor e a amizade e as próprias pessoas em produtos. Uma sociedade que esqueceu o real poder da palavra. Não é demais lembrar Erico Verissimo, em o Prisioneiro: "As palavras podem ser sombras. Mas que força possuem essas sombras. Que magia! De acordo, ele diz, mas devemos defendermo-nos de toda a palavra, toda a linguagem que nos desfigure o mundo, que nos separe das criaturas humanas, que nos afaste das raízes da vida."

E, ai, a criação literária tem um papel primordial. Sobretudo nesta relação que se estabelece com ela, que e uma relação de paixão no  seu sentido mais amplo. Osman Lins diz que "escrever é uma danação", Clarice Lispector diz que "escrever e uma maldição, mas uma maldição que salva ".

A verdade é que o escritor ''tem um compromisso,". como bem observou Lawrence Durell, em Justine, com tudo o que o feriu na vida". Assim, o escritor escreve não para fugir ao seu destino, mas para realizá-Io da forma mais adequada e completa que lhe for possível.

Katherine Mansfield, em uma de suas cartas, lá na década de 20, dizia "não sei por que a gente que escreve acha que isso é o que mais importa". E, então me dou conta do fascínio da palavra escrita, e mais do que isso, me dou conta do que ela é. E o que ela é, é a forma que ternos, a nossa melhor, de nos comunicar com o nosso semelhante. É que as palavras são magias rápidas, instantâneas, pontes, mesmo quando dizem o contrario do que querem dizer. E que nosso texto esta efetivamente amarrado ao humano. É por isso que, não raras vezes, se ouve dizer que a literatura se confunde com a vida. Nosso texto é onde colocamos as vísceras existenciais à mostra, talvez as verdades mais íntimas, os sentimentos todos, embora não o necessariamente vivido, o biograficamente vivido. E não nos esqueçamos de que a nossa historia e a historia de todos os homens que vieram antes de nós.

Quando somos perguntados por que escrevemos, respondemos: necessidade, desejo de ser conhecido, amado, mistério, dom, vaidade. Mas por trás de tudo o que dizemos, há um sentimento maior e vital. Não importa a vertente literária a que se pertença é a paixão pelo humano. Escrever é um exercício de amor ao humano que se renova a cada texto.

E se isso parece generosidade do escritor, muito mais generosa é a leitura do texto. Aliás, é Jean-Paul Sartre quem diz isto: "O autor escreve para se dirigir à liberdade dos leitores e a solicita para fazer existir a sua obra."

Talvez a literatura não salve. Nem justifique a vida numa epoca, numa cultura e numa historia que chegam ao fim, enquanto se inicia outra. Talvez até se questione o seu lugar nessa sociedade em que se faz tudo muito rápido e rápido se produz para rápido se consumir. Talvez... mas não nos enganemos. As narrativas e as poesias não são inocentes e continuarão não sendo. A literatura é um velho espelho crítico, sempre renascido. Uma resistente: levamos séculos para chegar à escrita, depois ao alfabeto, depois ao livro, ele é, no mínimo, patrimônio de uma humanidade inteira e é nele que o homem se reconhece como tal. É uma aventura total, dramática, profunda, exaustiva, arriscada, mas detonadora de percepções e compreensões  e visões inesgotáveis. É sim danação, como dizia Osman Lins. E sim maldição, como dizia Clarice Lispector. Mas é salvação e é paixão, e na paixao troca de liberdade, e na troca de liberdade a concepção de Durell que "só no silencio ativo do artista e que a realidade pode ser apreendida naquilo o que ela tem de verdadeiramente significativo".

Homens de rara sensibilidade, entendiam assim a relação com a palavra, Roque Calage, patrono, e Hugo Ramirez, antecessor da cadeira de número 35.

É Hugo Ramirez quem canta o amor ao poema:

Também sobre as asas de oiro
Do mistério da existência
Se abrem círculos concêntricos
-vitórias régias sidéreas
Quando lhes jogo as perguntas
Do amor que habita meu canto.

Roque Calage nasceu em Santa Maria, em 1886, foi escritor e jornalista. Trabalhou para jornais como A Tribuna, o Comércio e o Diário da Tarde, de São Gabriel, e o Correio do Povo, de Porto Alegre. Dedicou-se à literatura regional, procurando a expressão mais  autentica do homem desta terra.

Entre suas obras, estão Prosas de Ontem, seu primeiro livro publicado, Terra Gaucha, Terra Natal, o Drama das Coxilhas, Vocabulário Gaúcho, Quero-Quero e No Fogão do Gaúcho.

Calage, morreu em maio de 1931. Sobre ele, afirma Luiz da Câmara Cascudo: “morre moço e nele se extingue uma das mais fortes e vivas características da literatura regional sul-rio-grandense. Nele havia a nota límpida do gauchismo pictórico, estalante de seiva, de tropeada de baios, lendas, mitos, tipos, cenas, paisagens, episódios, tudo quanto é narrado, à noite morta, ao calor dos fogões, enquanto tine o minuano e o ar tatala na estridência metálica dos quero-queros. A produção literária de Roque Calage está fazendo parte do patrimônio mental de sua terra."

Hugo Ramirez nasceu em Uruguaiana, em 1922, foi professor, ensaísta, critico literário, poeta e conferencista. Foi membro da estância da poesia crioula, da qual foi cofundador. Foi também fundador do CTG Galpão Campeiro, décima-terceira entidade a ser criada no Rio Grande do SuI. A maior parte de sua vida foi dedicada a movimentos culturais, tendo participado de importantes momentos do tradicionalismo gaúcho.

Além da literatura, sua obra inclui trabalhos na área de história e sociologia rio-grandenses e da educação.

Hugo Ramirez foi um grande homem da cultura gaúcha. Escreveu mais de setenta obras, com destaque para o romance "Rio dos Pássaros".

Roque Calage e Hugo Ramirez fizeram de sua trajetória a descoberta da vida, do ser humano e seu destino na construção, nesta nossa terra, a terra gaúcha, de um mundo melhor. Até porque  a maior força de um escritor neste mundo é exatamente esta: a de domar a palavra e a de ser domado por ela, a de ir ao encontro do seu semelhante, a de ser escritor. Daí porque, ao lado do amor ao seu canto, como canta Ramirez, Calage falará da liberdade “ toda a razão de ser de seu querer – diz em Quero-quero - liberdade da própria campina em que vive, respeito ao seu lar modesto...”

Há momentos difíceis e, às vezes, desesperadoramente inalcançáveis nesta luta cujo instrumento é a palavra. Mas há o sentimento e a crença profunda no sentir que revela o homem como princípio e como fim.

Não posso deixar de agradecer as palavras generosas do poeta Luiz de Miranda .Mas também não posso deixar de dizer o quanto me honra e me emociona tê-lo como padrinho, este poeta de qualidades invulgares, detentor da mais extensa obra poética em língua portuguesa. Alio-me, neste momento. a Raul Bopp, quando comenta: "A poesia de Luiz de Miranda revela a sensibilidade do verdadeiro grande poeta. É uma contribuição definitiva a literatura brasileira.”

Senhor Presidente, senhores e senhoras acadêmicos, meus amigos, meus familiares: se minha primeira palavra foi de agradecimento, a última é quase uma prece. Ouso evocar Camões quando pede aos deuses a arte e o engenho. Que Deus me dê inspiração e capacidade para que possa honrar e fazer honrar, na cadeira de n° 35, os acadêmicos que a ocuparam e todos os acadêmicos que fizeram e fazem a grandeza desta casa.

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 4

Gaspar Silveira Martins

Gaspar Silveira Martins nasceu em Aceguá, município de Bagé, em 5 de agosto de 1835, filho de Carlos Silveira de Moraes Ramos e Maria Joaquina das Dores Martins. Foi alfabetizado em Cerro Largo no Uruguai e, já no Brasil, freqüentou em Pelotas o curso de latim do Prof. Antônio José Domingues. No Rio de Janeiro, cursou Humanidades com o Prof. Vitorio da Costa. Em Recife foi aprovado no curso de Direito, mas acabou concluindo o mesmo no Rio de Janeiro, onde, após a formatura, assumiu o cargo de juiz municipal. Foi deputado provincial no Rio Grande do Sul e Senador pelo mesmo Estado em 1880....

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