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Historiografia de Dante de Laytano - Moacyr Flores

26 de novembro de 2014


Moacyr Flores ¹
A arte de contar história é muito antiga, mesmo assim Dante de Laytano conseguiu renovar a narrativa histórica, indo além dos parâmetros dos seguidores da história positivista, deixando de lado os heróis e seus nobres feitos para contar a história dos negros, dos açorianos, dos imigrantes, dos negociantes, dos escritores, dos jornais e das cidades. Sua erudição surpreende pelas comparações e ligações entre fatos históricos. Não se limitou a transcrever documentos, tratou de interpretá-los e sintetizá-los.
Dante de Laytano nasceu em Porto Alegre, a 23.3.1908 e faleceu na mesma cidade, em 18.2.2000. Filho de José Laitano e de Maria Arone Laitano, naturais de Morano Callabro, na Magna Grécia, como costumava dizer. Vários intelectuais da época usaram pseudônimos ou mudaram a grafia do nome. Dante Laitano passou a assinar suas crônicas e críticas de cinema com o nome modificado para Dante de Laytano.
Estudou no Instituto Ginasial Júlio de Castilho, de Porto Alegre, de 1918-25, onde predominavam professores seguidores da doutrina de Augusto Comte. Bacharelou-se pela Faculdade Direito de Porto Alegre, em 1930, sendo nomeado juiz distrital de Torres, aonde chegou numa carreta puxada a bois. Depois foi transferido para Sobradinho. Ocupou o cargo de promotor público em Rio Pardo, Cachoeira do Sul, Santa Cruz e Quarai. Exerceu a função de consultor jurídico da Secretaria da Agricultura em Porto Alegre, foi sucessivamente chefe de Gabinete da Secretaria de Educação e Cultura, diretor do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, professor de História da PUCRS e da UFRGS.
Pertenceu a inúmeras instituições culturais, entre elas o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, a Academia Rio-Grandense de Letras e do Lion's Club, do qual foi governador.
Como todos os intelectuais de sua época, iniciou escrevendo crítica de cinema e crônicas em jornais. Só mais tarde, como promotor público de Rio Pardo, despertou para a pesquisa histórica e folclórica. Numa terceira fase escreveu memórias.
A fase literária de Laytano está representada pelas crônicas de desamor e críticas às mulheres perversas que enganam ou que fazem sofrer os homens, enfeixadas no livro Uma mulher e outras fatalidades. O estilo é leve, com frase curtas e irônicas, de acordo com o modernismo que estava em voga no Brasil. A capa, em vermelho, preto e branco, com desenho chapado de Carlos da Cunha, acompanha o movimento modernista. Laytano, um verdadeiro cavalheiro em relação às damas, renegava este livro que considerava um dos pecados da juventude. O livro não consta nas relações de obras elaboradas por Laytano.2
O segundo livro, intitulado Colecionadores de emoções, é de crítica e de ensaios literários. 3
Na primeira parte do livro traçou com precisão a crítica, em frases bem elaboradas, sobre a temática das obras de intelectuais como Ibsen, Goethe, D' Annuzio, Antônio Patrício, André Gide, Pirandelo e Plínio Salgado. Na segunda parte, tratou da prata da casa: André Carrazzoni, Fornari, De Souza Júnior, Vargas Neto, Érico Veríssimo, Sérgio de Govêa e outros, com a preocupação de estabelecer a relação com o movimento modernista.
Quando promotor em Rio Pardo, Laytano encontrou cadernos com anotações das poesias do poeta farroupilha Sebastião Xavier do Amaral Sarmento Mena, considerando as primeiras produções para a estética da História do Rio Grande do Sul. 4
Coligiu e anotou as poesias líricas, heróicas e satíricas. Pesquisou a vida de Sarmento Mena e suas relações com a Revolução Farroupilha, colocando-o apropriadamente no contexto histórico revolucionário como orador, jornalista, promotor público, professor, advogado do foro de Rio Pardo e deputado da Assembléia Constituinte, reunida em Alegrete. As notas redigidas por Laytano esclarecem nomes, parentescos, datas e lugares. O livro é importante pela publicação de várias poesias inéditas do cancioneiro farroupilha e pela introdução crítica elaborada por Laytano.
Monumentos históricos e artísticos de Rio Pardo é um ensaio sobre os antigos casarões que atestam o esplendor e o fausto da cidade de Rio Pardo durante o segundo reinado. O ensaio está ilustrado com fotografias de igrejas, retábulos, imagens de santos, casarões e portões.5
Laytano estabeleceu a formação do território ao sul de Laguna, que perigava ser perdido para a coroa espanhola porque os povoadores esbanjaram entre negras e índias, nas senzalas e florestas... A contenção se fez pela criação da Vila do Rio Grande de S. Pedro. Outro fator foi a ascensão de D. José I ao trono de Portugal, tendo como ministro Sebastião José de Carvalho e Melo reformador e realizador da política portuguesa. Laytano considerou que a construção do forte Jesus, Maria e José, em Rio Parto, em 1750, permitiu repelir os caudilhos e fazer recuar os espanhóis que invadiram nosso território, formando "uma geração, um povo, uma raça mais valente ainda: o gaúcho".
Não é de estranhar o uso do termo raça e nem a idéia do gaúcho como formador do Rio Grande do Sul, pois em 1932, predominava no imaginário dos intelectuais rio-grandenses a doutrina positivista que considerava a raça e o meio físico como causas determinantes da história, que era elaborada pelo herói.
Usou a cronologia para relacionar a organização espacial e textos de Nicolau Dreys e de Saint-Hilaire para descrever a antiga vila de Rio Pardo. Em sua cronologia, Laytano considerou três grandes períodos da história regional: Missões, Farrapos e Imigração.
Levado pelos escritores positivistas da época, Laytano trabalhou com o conceito de Império Teocrático das Missões. Apropriadamente classificou Rio Pardo como verdadeira capital comercial e militar no período farroupilha. As casas solarengas revelavam a importância da fidalguia pela extensão da fachada, com várias janelas e telhado levantados por mansardas. Deteve-se na descrição pormenorizada do mobiliário fidalgo.
Considerou os monumentos de arte cristã os mais dignos de nota. Relatou a construção da igreja de Nossa Senhora do Rosário, lamentando que em 1930 destruíssem a antiga decoração, por outra de colorido exagerado e em desarmonia com o conjunto.
Ao descrever a capela de S. Francisco, valorizou historicamente o cemitério que existia na parte dos fundos da capela. Quanto às sete imagens de madeiras, representando a Paixão de Cristo, vindas de Portugal, ele registrou erroneamente como sendo de procedência alemã.
Destacou a sacristia da igreja do Senhor dos Passos, com precioso oratório e vários quadros a óleo muito bons, contrastando com a pobreza do restante da igreja.
Classificou os casarões como "estilo colonial do segundo império", relacionando-os junto com o nome de seus antigos proprietários.
Em 1936 publicou Os africanismos no dialeto gaúcho, considerando os termos regionais do Rio Grande do Sul como sendo um dialeto, o que se entende porque na época, dentro dos parâmetros positivistas, o gaúcho era considerado como uma raça.6
Laytano realizou levantamento em dicionários filológicos, escritos por intelectuais rio-grandenses, discordando da tese de Luiz Carlos de Morais, que afirmava "dos africanismos, temos poucas recordações em nosso repertório lingüístico", mostrando que a influência dos termos africanos é muito grande no português falado no Brasil.
Comparou a quantidade de vocábulos afros, num total de 5% nos termos gaúchos, com os cinco ou seis vocábulos alemães ou italianos. Esta diferença foi atribuída ao fato de serem os alemães e os italianos agentes ativos, enquanto os negros eram elementos passivos. O patuá do negro surgiu por causa do isolamento "das clãs". O branco para se comunicar com o escravo teve que usar o patuá dos negros.
Os vocábulos coletados estão divididos nos seguintes grupos: registrados por vocabularistas sul-rio-grandenses, palavras de origem afro, palavras com prosódia africana, palavras que parecem de origem africana. Em alguns vocábulos é colocada a etimologia.
Entre as publicações de Dante de Laytano destaca-se a História da República Rio-grandense, editada em 1936 e 1983.7
O tema central é que Bento Gonçalves da Silva pretendia uma federação formada pelo Rio Grande do Sul, República Oriental do Uruguai, Corrientes, Entre Rios e Brasil. Laytano afirma e prova que o movimento é brasileiro, pois faz parte do ciclo revolucionário que caracterizou o período regencial. Essa obra é fruto de intensa pesquisa nos jornais O Povo, O Mensageiro, O Americano e Estrela do Sul.
Laytano analisou como causas da Revolução Farroupilha a originalidade da formação do Rio Grande do Sul, a derrota de Ituizangó, a má administração provincial e a tentativa, por parte dos conservadores, de instalação da Sociedade militar. O autor não se preocupou em descrever no primeiro capítulo a geografia do local dos fatos, seguindo o modelo de Euclides da Cunha, como era usual entre os historiadores de sua geração, mas apresentou, dentro de um linha lógica de pensamento, a organização da República Rio-grandense, destacando principalmente o Ministério da Guerra, por considerá-lo mais importante na configuração estrutural no novel Estado farroupilha, que esteve em contínua beligerância. O autor reproduz os principais decretos, proclamações e avisos, relacionando os ministros que ocuparam a pasta do Ministério da Guerra em diferentes épocas.
Outro ponto original do livro está na apresentação da organização política da República Rio-grandense, caracterizando a deficiência das instituições sociais e políticas existentes na Província, historiando o sistema jurídico desde a formação do Império do Brasil.
A descrição da estrutura econômica da Província, com dados estatísticos sobre o comércio, agricultura, pecuária e indústria, comparados com a realidade da República Rio-grandense com o Império, mostra que Dante de Laytano soube utilizar as leis, decretos e jornais farroupilhas, fundamentais como instrumentos de trabalho para elaborar um livro conciso, que impressiona pela imparcialidade e alto espírito crítico, sem se deixar levar por bairrismo e falso nacionalismo.
Quanto tratou das causas, seguiu a teoria de Teófilo Braga, mas logo abandonou a teoria positivista para reconstruir a história da maior revolução do Brasil. Laytano deu um profundo enriquecimento humanístico a seu livro, quando dedicou um capítulo sobre o desenvolvimento cultural da Província, estudando seus poetas, oradores, pintores e a imprensa local. O estudo da imprensa inicia com o histórico, para concluir com a identificação das oficinas tipográficas e de seus redatores.
História da República Rio-grandense, de Dante de Laytano, é um dos livros fundamentais para o estudo do mais extenso movimento político republicano que agitou o império do Brasil.
Laytano apresentou no II Congresso Afro-brasileiro da Bahia a tese O negro e o espírito guerreiro nas origens do Rio Grande do Sul.8
Baseado em fontes bibliográficas e documentais defendeu a tese de que o negro apareceu no pampa no mesmo instante da formação do Rio Grande do Sul, alimentando o espírito guerreiro do gaúcho e salvaguardando "os baluartes dos núcleos luso-brasileiros do sul do Brasil, mas mesmo assim o africano foi esquecido e renegado. O negro guerreou em nome de uma "consciência ou inconsciência mística que sempre o guiou para a dor, para a morte e para a alegria".
 É muito importante o levantamento realizado sobre a demografia dos negros, a partir de mapas elaborados pelos vigários das freguesias. Reproduziu trechos de documentos sobre fuga, captura e castigo de escravos.
Citações de Comte e Spengler, ao longo do texto, revelam sua filiação doutrinária. O autor considerou as famílias dos latifundiários como clãs que dominavam o pampa. O trabalho é importante e ímpar em sua época, porque Laytano enfrentou os intelectuais sul-rio-grandenses que afirmavam não haver influência negra no Rio Grande do Sul. Pode-se afirmar que Laytano foi um dos primeiros a escrever sobre o papel do negro na história e na cultura no extremo sul do Brasil.
Utilizando a publicação de A descrição geográfica e histórica da divisa litigiosa entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, do padre Geral J. Pauwels, S. J., Laytano preparou o artigo Litígio com Santa Catarina publicado na Revista do IHGRS.9
Laytano enumerou 30 escritores que trataram da questão, formulando três hipóteses sobre a linha divisória, para concluir que verdadeira linha passa pelo rio Sertão, por ser um curso mais importante que o rio Glória e para a divisa pelo rio Mampituba, utiliza o argumento do convênio firmado em 1805. Utilizando razões históricas, Laytano refutou as várias hipóteses sobre os terrenos litigiosos, estabelecendo o traçado da linha divisória.
Universidade norte-americana, é conferência pronunciada em 1946, por ocasião da instalação do Centro São Tomás de Aquino, composto de alunos da Faculdade Católica de Filosofia, que depois se transformou na PUCS. O tema da conferência é uma comparação entre as diferentes universidades particulares dos Estados Unidos da América, onde Laytano esteve uma semana na Universidade de Fisk. Sua abordagem refere-se às universidades católicas, para mulheres e para negros. Analisou as cidades universitárias com biblioteca, museu e tipografia. Caracteriza a universidade norte-americana com a preocupação de resistência espiritual e de desenvolvimento científico.10
A cidade e o comércio é um ensaio histórico sobre a economia e o cotidiano de Rio Pardo. Laytano coletou dados no Livro de Termos e Arrematação, de 1811-76, com contratos de açougue, leilão de couros, preço da carne, impostos, renda municipal, estradas de tropas, construção de ponte, calçamento, numeração de prédios, serviços de enterro, tráfego de merceiros e taberneiros, balanças, carros e carretas nos domingos, décima urbana, carreiras de cavalo, multas, contrabando, imigração, fábrica de tecidos, estrada de ferro e muitos outros temas. Laytano expôs os dados sem preocupação de classificação ou de ordem. No final, o autor elaborou 35 notas que esclarecem termos, fatos, localização e dados biográficos. 11
Em 1.10.1946, Laytano realizou a conferência República do Haiti, impressões de uma viagem ao país de negros franceses, na Associação de Cultura Franco-brasileira de Porto Alegre. Suas recordações de viagem sobre a geografia e a paisagem juntam-se com informações históricas sobre o avô de Alexandre Dumas, sobre Jean Jacques Dessalines e as lutas de independência, para finalizar o dialeto créole falado no Haiti. Classificou a luta de independência do Haiti, como um combate para obter a própria existência. Por último, apontou a influência negra no falar francês.12
O quartel de Rio Pardo, Regimento de Dragões e conquista das Missões, publicado em 1949, Laytano usou documentos e partes militares para narrar a obra heróica da conquista das Missões por José Borges do Canto e seus quarenta companheiros. O autor questionou o fato de o comandante de Rio Pardo, Patrício Corrêa da Câmara, ter dado a tarefa a uma soldado desertor e não a um herói oficial, como por exemplo a Joaquim Félix da Fonseca com larga experiência nas Missões. Considerou que o comandante Corrêa da Câmara não contava com o sucesso da empresa e pretendia apenas pilhar a região.
A administração e a estratégia militar sobre a fronteira do tenente-coronel Patrício Corrêa da Câmara foram esmiuçadas por Laytano através da documentação sobre a guarnição de dragões do quartel de Rio Pardo. É um trabalho de análise, de reconstituição de fatos, dentro da teoria de formulação do texto histórico do positivismo. Há uma preocupação constante com o herói que faz o fato histórico e movimenta a história. Uma galeria de heróis desfila pelas páginas bem escritas: José Borges do Canto, Gabriel Soares, Patrício Corrêa da Câmara, Joaquim Félix da Fonseca, Jorge Pacheco, José de Saldanha, Boaventura José Centeno, Alexandre da Silva Pereira, José Inácio da Silva, Fernando Manoel de Freitas, além de fugas de presos e relação de desertores.
A rotina militar foi reconstituída no pequeno quartel, encerrando a narrativa em 1810, ano considerado como marca do fim de um período histórico, desde a conquista das Missões em 1801, até a fixação de tropas luso-brasileiras em seu território, possibilitando o povoamento.
Os monumentos de Portugal, publicado em 1950, trata da descrição dos célebres mosteiros da Batalha, Alcobaça e Jerônimos, interligando com fatos históricos e lembranças de suas viagens a Portugal . 13
Ao se referir ao mosteiro da Batalha, enumerou e reproduziu alguns trechos da literatura sobre o monumento. Descreveu as partes que compõem o mosteiro, o interior da igreja, salientando as abóbadas dos tramos terminais e a nervagem, os vitrais e as bandeiras recortadas, as capelas absidiais e os túmulos reais, dando as biografias de Duarte, D. João II e Dona Leonor, D. João I, D. Henrique.
O mosteiro da Batalha foi construído para lembrar a vitória na Batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385, quando os espanhóis foram derrotados. Com toda verve Laytano transcreveu uma versão popular da batalha, em que não falta o anedótico.
A Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça nasceu duma promessa do monarca D. Afonso Henriques ao monge S. Bernardo, caso conquistasse Santarém, doaria a ele a aos seus monges todas as terras que avistava daqueles montes, até o mar.
Laytano descreveu os palácios, com o histórico da construção, estabelecendo ligações com personagens, fatos históricos e trechos da literatura portuguesa. Seu estudo é uma canto de louvor à cultura portuguesa e também um ótimo roteiro de viagem, com preciosa informações.
O livro Fazenda de criação de gado, é uma síntese da história sócio-econômica do Rio Grande do Sul, desde sua formação no século XVIII, até o segundo reinado.14
No início da obra há oito divisões com subdivisões, sem indicação de páginas, onde o conteúdo é apresentado por assunto: a fazenda e a comuna, a fazenda e os campos, a fazenda e as sesmarias, a fazenda e as marcas, a fazenda e a natureza, a fazenda e o gado, a fazenda e os proprietários, a fazenda e o exército e a fazenda e os costumes. No entanto o corpo do trabalho não apresenta nenhuma divisão, com os assuntos encadeados, o que dificulta sua leitura. Nota-se que Laytano pesquisou em fontes documentais, sem citá-las. Suas notas no final do trabalho são de esclarecimento. O trabalho é uma rica relação aglomerada de dados preciosos sobre história sócio-econômica do Rio Grande do Sul no século XVIII.
A estância gaúcha, publicada em 1952, é um trabalho tecnicamente organizado, em que Laytano trata das origens históricas da estância, considerando o período espanhol que corresponde às estâncias missioneiras e o período português com estâncias nos Campos de Viamão, na fronteira de Rio Grande e na Fronteira de Rio Pardo. Esta divisão levou em consideração a ocupação cronológica da região. Considerou os estancieiros como oriundo de Laguna, Colônia do Sacramento, dos Açores e de várias capitanias brasileiras. Relacionou algumas cidades do Rio Grande do Sul que nasceram em sesmarias. No segundo capítulo analisou os três categorias de campo, com suas pastagens respectivas. No terceiro capítulo tratou dos conceitos de invernada, curral, tapera, sítio ou rincão. No quarto capítulo mencionou as instalações da estância. No quinto capitulo tratou dos bovinos, do cavalo e da ovelha e no último capitulo, dedicou-se às atividades humanas na estância.
O livro possui um ótimo documentário iconográfico, nem sempre de acordo com o texto, com desenhos de Percy Lau e fotografias de o Studio "Os Dois", de Porto Alegre.
Sendo obra de análise dentro dos preceitos comtianos, não há preocupação com conclusões. O livro dá uma visão perfeita da estância como estabelecimento padrão no Rio Grande do Sul, sem caracterização de tempo e lugar. Não há repertório de fontes documentais e bibliográficas.
Em 1953 Dante de Laytano proferiu a aula inaugural dos cursos da Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, tendo como tema A história e suas relações com algumas ciências. Teceu comparações entre o mundo germânico e latino, atribuindo aquele as intricadas cogitações teóricas, enquanto que os franceses a tudo que tocam dão um sentido de clareza. Utilizou citações de Alexandre Herculano, Buckle, Silvio Romero, Oliveira Viana e Gilberto Freire, comparando-os entre si. O trabalho publicado é uma aula sobre a historiografia brasileira dentro da doutrina positivista, relacionando a sociologia e a antropologia com a história.15
Torres, resumo de sua história de terra e mar, foi publicado pela primeira vez no jornal Correio do Povo, em 28.2.1957. Editado em plaqueta por seus amigos de Torres, com distribuição gratuita. A plaqueta, com 22 páginas, teve nova edição em 1978. 16
Laytano traçou sinteticamente a crônica do município de Torres, descrevendo sua paisagem, apresentando dados históricos, biografias de viajantes e naturalistas que estudaram a região. A plaqueta é uma dedicação à cidade onde Laytano costumava veranear.
O japonês no Rio Grande do Sul, inicia com o histórico da formação de diferentes etnias, até chegar ao século XX, com entrada dos japoneses que trazem uma nova lição de trabalho e nova técnica de lavoura.17
O ensaio utiliza-se de dados do Anuário Estatístico do Brasil, edição de 1965, comparando a imigração nipônica para outros estados brasileiros e a distribuição nos municípios do Rio Grande do Sul. O autor considerou "que a evolução da forma de trabalho do japonês residente no Rio Grande do Sul é um fator notável de aculturamento. Cessou a família composta, integrando-se à sociedade pelo trabalho e fazendo da religião um espetáculo de dignidade. O trabalho está repleto de tabelas e listas demográficas.
Barão de Tramandaí, 1971, é um estudo da cronologia histórica da vida de Antero Ferreira de Brito, barão de Tramandaí.18
Guia histórico de Rio Pardo, 1979, reúne todas as 16 publicações de Dante de Laytano sobre o município de Rio Pardo, bem como o Almanaque de Rio Pardo, editado em 1946, formando um volume denso, espesso e com muitas informações, que aborda indiscriminadamente as artes, lutas, biografias, cronologias, comércio, economia, religião e administração de Rio Pardo. Na introdução o autor avisa o leitor que o Guia é uma reedição com algumas modificações do Almanaque de Rio Pardo.19
Manual de fontes bibliográficas para o estudo da História Geral do Rio Grande do Sul, editado em 1980, reúne seus estudos biobibliográficos.20
O prefácio é importante porque relata como Laytano conseguiu vencer barreira para criar a cadeira de História do Rio Grande do Sul na Universidade Federal e na Pontifícia Universidade Católica. O primeiro capítulo apresenta a biografia, em forma de cronologia, do Visconde de S. Leopoldo, primeiro historiador do Rio Grande do Sul. A seguir, relaciona as matérias contidas na obra.
Reuniu no II capítulo os historiadores de compêndios, como: João Maia, Stela Dantas de Gusmão, A. G. Lima, Souza Doca, Amir Borges Fortes, Danilo Lazzarotto, Arthur Ferreira Filho, seguindo o mesmo esquema de narrar uma biografia, tecer considerações e elencar o conteúdo.
O autor agrupou no III capítulo os livros de leitura, seguindo o mesmo roteiro. No IV capítulo relacionou os dicionários. Os livros de efemérides constam no capítulo V. Os autores e livros de biografias formam o VI. Estudos e ensaios é o último título e o mais alentado.
Em suas considerações finais, Laytano esclarece que não quis elaborar uma lista bibliográfica, mas fazer uma análise dos livros de história geral, deixando de lado as monografias.
Dois ensaios camonianos, 1980, reúne as conferências alusivas ao IV Centenário da Publicação de os Lusíadas, 1572-1992. A primeira intitula-se Um personagem de Camões no Rio Grande do Sul, onde Laytano desenvolveu a biografia de Martim Afonso de Sousa, que teria enviado ao rei D. João III o projeto de divisão do Brasil em capitanias. Glosando os versos de Os Lusíadas, analisou e comparou a linguagem poética com fatos, traços de caráter do biografado e dados geográficos. Na segunda conferência, Camões em quadrinho, lembrou o fato de que o grande poeta português foi insultado pela análise lógica de sua geração. Relembrou seus bons professores de português, como Dona Camila Furtado Alves e Ubaldino Moura que o ensinou a amar Camões.21
Analisou a quadrinização do poema de Luís de Camões, em várias publicações, considerando-as como uma forma de popularizar o magistral poema. No final tece comentário sobre alguns sonetos camonianos.
Em 1982 publicou dois artigos na obra Os 10 anos do parque Moinhos de Vento na história de Porto Alegre. 22
No primeiro artigo trata dos topônimos iniciais do sítio de Porto Alegre, da medição dos lote, as primeiras ruas e o nome dado por José Marcelino de Figueiredo, sem entrar na polêmica do fundador da cidade. No segundo, historiou a formação do bairro Moinhos de Vento.
Origem da propriedade privada no Rio Grande do Sul, publicado em 1983, divide-se em três partes: a fazenda e a pecuária, a cidade e o comércio, a colônia e agricultura.23
A primeira parte é a publicação de sua obra Fazenda de criação de gado, editada em 1950. A segunda parte reproduz A cidade e o comércio, publicado em Anais da Faculdade de Filosofia da PUCRS, em 1948. A terceira, contém a tese Açorianos e Alemães, apresentada no Congresso Comemorativo do Primeiro Centenário da Elevação de S. Leopoldo à vila, em 1946, publicado em anais e em separata, em 1947.
A cidade e o comércio apresenta dados importantes sobre a organização social e econômica de Rio Pardo, pesquisados no Livro de Arrematações e Contratos da Câmara de Rio Pardo. Na riqueza de informações, que precisam ser ordenadas, está todo o cotidiano rio-pardense, com os usos e costumes de uma cidade pólo do comércio, acontecimentos religiosos, aferição de pesos e medidas, tráfego de carretas e carros, determinações de locais para a lavagem de roupa, construção de cemitério, feitura de carros fúnebres, impostos, mala-postal. Enfim, as miríades de fragmentos, como as tecelas de um mosaico, formam um grande conjunto que pode ser armado pelo leitor.
A terceira parte, A colônia e a agricultura, é uma exposição sobre a agricultura dos açorianos, ignorados pelos governos, tendo com base uma farta documentação até então inédita. Os documentos mais importantes são reproduzidos na linguagem da época.
Laytano dividiu a agricultura do Rio Grande do Sul em duas fases: a açoriana, no século XVIII, assinalada pela cultura do trigo e agricultura dos alemães, no século XIX, com a agricultura do milho, batata, mandioca e feijão. O autor traça uma síntese da agricultura do trigo, suas variações de produção e preso, localizando as áreas de produção. Há também uma síntese da história da imigração e do surgimento dos primeiros núcleos coloniais, destacando a importância da religião luterana na organização das comunidades rurais. As notas enriquecem o texto com tabelas, contratos, correspondência e dados históricos. O ensaio segue os preceitos comtiano: análise minuciosa dos documentos e da bibliografia, transformada numa narrativa clara e objetiva que deixa a conclusão ao encargo do leitor.
Laytano revelou-se um memorialista notável que nos leva a navegar no périplo do Mar absoluto das memórias, editado em 1986, relembrando os personagens da história, da política, da literatura e das artes do Rio Grande do Sul.24
O texto é um tom coloquial, onde o autor aparece como mero coadjutor, dotado de intensa emoção sem perder a dimensão do real. Laytano resgatou nomes esquecidos, retratando épocas e acontecimentos, como um piloto seguro e modesto que dirige a nau da memória, para que brilhem os outros.
Os acontecimentos do cotidiano dão a dimensão humana de seus personagens, que como dizia Laytano "são as minhas memórias dos outros". O mais interessante é que o leitor é transformado em interlocutor.
Arquipélago dos Açores, publicado em 1987, reúne as impressões de viagem e as leituras de Dante de Laytano. Para o autor, que sempre aproximou os brasileiros dos portugueses em seus artigos de história, nos quais o Rio Grande do Sul tudo deve ao ilhéu. Seu propósito é demonstrar um Rio Grande do Sul inteiramente açoriano no século XVIII. 25
A primeira parte reproduz sua viagem de estudos, em 1958, pelas nove ilhas, descrevendo a geografia, demografia, gastronomia, vida e costumes.
A segunda parte contém um ensaio sobre a influência da colonização açoriana no Rio Grande do Sul. Reproduz e comenta a provisão real de 9.8.1747 que disciplinou a colonização açoriana. Apresenta dados sobre as fundações de cidades de origem açoriana, demografia, economia e um importante estudo de vocábulos açoritas, usado na linguagem familiar no extremo sul do Brasil.
A terceira parte desenvolve um amplo estudo, baseado em leituras de livros sobre os Açores. Laytano fornece informações breve sobre o autor e depois um resumo de sua obra.
Arquipélago dos Açores é um livro de viagem, em que o autor mostra sua erudição e seu conhecimento de história, geografia, literatura e folclore.
Presença Calabresa - projeção histórica de Morano Cálabro, editado em 1989, tem como objetivo descrever a pequena Morano Cálabro, sua história e a contribuição dos moraneses à cidade de Porto Alegre, relacionando nomes e acontecimentos numa crônica leve e bem escrita, rica de informações histórica e genealógicas.26
Excursão vinícola, editada em 1988, é uma micro-história do distrito de Otávio Rocha, em que registra o surgimento e desenvolvimento da colônia italiana, traça a preciosa biografia, em forma de cronologia de Otávio Rocha. Registrou em linguagem coloquial suas memórias sobre amigos apreciadores de vinho. Relacionou os viajantes estrangeiros que estiveram no Rio Grande do Sul e se referiram ao nosso vinho, para depois estabelecer uma relação dos imigrantes fabricantes de vinho na região colonial.27
Deixo de examinar os inúmeros artigos, discursos e conferências, bem como as obras de folclore por pertencerem à área da Antropologia.
Dante de Laytano foi um historiador que buscou a documentação, procurando traçar relações, demonstrando uma grande erudição. Em nenhum momento travou polêmica ou atacou outro historiador, mesmo aqueles que o criticaram. Não se deixou levar pelos modismos teórico nem pelo linguajar mecanicista, preferido a história como uma arte de contar fatos e de trazer o novo e o inesperado. Sua obra principal é a História da República Rio-grandense, onde pela primeira vez é analisada a economia e a produção cultural dos farroupilhas.
Outro mérito seu, é o de ser um dos primeiros a estudar a contribuição do negro à nossa história, numa época em que os intelectuais positivistas consideravam que o negro é um ser inferior e que em nada contribuiu para a cultura rio-grandense.
Um dia, Dante me contou que fazia uma palestra sobre o negro no Rio Grande do Sul, quando foi interrompido por Moysés Vellinho, contestando que não havia influência do negro em nosso Estado. Dante sorriu e respondeu com sua verve: "quer dizer então que o Negrinho do Pastoreio é alemão?"
Dante de Laytano, foi um mestre e um amigo de todos que com ele apreenderam a história do Rio Grande do Sul.
1 Professor Doutor de História do Programa de Pós-graduação de História da PUCRS.
2 LAYTANO, Dante de. Uma mulher e outras fatalidades. Porto Alegre: Casa Editora de Autores Modernos, 1931.
3 LAYTANO, Dante de. Colecionadores de emoções. Porto Alegre: Globo, 1934.
4 LAYTANO, Dante de. Sebastião Xavier do Amaral Sarmento Mena - Obras completas. Rio de Janeiro: Papelaria Velho, 1933.
5 LAYTANO, Dante de. Monumentos históricos e artísticos de Rio Pardo. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, II trimestre, ano XII, 1932. [Sep.] Porto Alegre: Globo, 1932, 35 p.
6 LAYTANO, Dante de. Os africanismos no dialeto gaúcho. In Revista do IHGRS, Porto Alegre, ano XVI, II trimestre, 1936, p.167-226.
7 LAYTANO, Dante de. República Rio-grandense. Porto Alegre: Globo, 1936. 2a edição: Sulina, 1983.
8 LAYTANO, Dante de. O negro e o espírito guerreiro nas origens do Rio Grande do Sul. In Revista do IHGRGS, ano XVII, 1o trimestre, 1937. [Sep.] Porto Alegre: Globo, 1937.
9 LAYTANO, Dante de. Litígio com Santa Catarina. In Revista do IHGRGS, ano XVII, II trimestre, 1937, p. 275- 315.
10 LAYTANO, Dante de. A Universidade norte-americana. In Anais da Faculdade Católica de Filosofia do RS, 1946. [Sep.] Porto Alegre: Continente, 1947
11 LAYTANO, Dante de. A cidade e o comércio. [Sep.] Anais da Faculdade Católica de Filosofia, Porto Alegre: Continente, 1948.
12 LAYTANO, Dante de. República do Haiti - impressões de uma viagem ao país de negros franceses. In Revistas Estudos, 1948 [Sep.] Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1948.
13 LAYTANO, Dante de. Os monumentos de Portugal. In Estudos. Porto Alegre, ano 10, n. 4, agosto e outubro de 1950, p. 33-80.
14 LAYTANO, Dante de. Fazenda de criação de gado. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1950.
15 LAYTANO, Dante de. Aula inaugural. Porto Alegre: Faculdade de Filosofia, 1953.
16 LAYTANO, Dante de. Torres, resumo de sua história de terra e mar. Torres: Prefeitura Municipal, 1978.
17 LAYTANO, Dante de. O japonês no Rio Grande do Sul. [Sep.] do Colóquio Brasil-Japão, S. Paulo, 1967.
18 LAYTANO, Dante de. Barão de Tramandai. Tramandai: Prefeitura Municipal, 1971.
19 LAYTANO, Dante de. Guia histórico de Rio Pardo. Rio Pardo: Prefeitura Municipal, 1979.
20 LAYTANO, Dante de. Manual de fontes bibliográficas para o estudo da história geral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1979.
21 LAYTANO, Dante de. Dois ensaios camonianos. Porto Alegre: UFRGS, 1980.
22 LAYTANO, Dante de. Os 10 anos do Parque Moinhos de Vento na história de Porto Alegre. Porto Alegre: Secretaria Municipal do Meio Ambiente/Sul Brasileiro, 1982.
23 LAYTANO, Dante de. Origem da Propriedade Privada no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST/Martins Livreiro, 1983.
24 LAYTANO, Dante de. Mar absoluto das memórias. Porto Alegre: EST/Martins, 1986.
25 LAYTANO, Dante de. Arquipélago dos Açores. Porto Alegre: EST/Nova Dimensão, 1987.
26 LAYTANO, Dante de. Presença calabresa. Porto Alegre: EST, 1988.
27 LAYTANO, Dante de. Excursão vinícola. Porto Alegre: EST, 1988.

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Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 36

Lindolfo Collor

Lindolfo Collor nasceu em S. Leopoldo, em 4.2.1890 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21.10.1942. Era filho de João Boeckel e de Leopoldina Schreiner Boeckel. Sua mãe enviuvou e contraiu novas núpcias. Lindolfo adotou o sobrenome Collor do padrasto.

Lindolfo Collor estudou o primário na Barra do Ribeiro, RS, e o secundário na escola do professor Emílio Meyer, em Porto Alegre. Diplomou-se em Farmácia, em Porto Alegre e na Academia de Altos Estudos Sociais e Econômicos do Rio de Janeiro, em 1922

Em 1908 trabalhou como jornalista em Bagé e depois dirigiu o Correio...

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