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Hélio Moro Mariante: Poeta, folclorista e historiador - Moacyr Flores

26 de novembro de 2014


É bastante complicado quando temos que nos referir a uma pessoa, ainda mais quanto se profere um elogio acadêmico. Depois de cautelosa meditação procurei traçar uma imagem de Hélio Moro Mariante, sem deixar de lado uma companheira constante de todo historiador, a melancolia gerada por referências às pessoas mortas e a fatos passados.
As referências e as imagens que construímos de uma pessoa, estão em nós mesmo. Seria bastante exaustivo e impreciso se tentasse exteriorizar as imagens que tenho da atuação de nosso confrade no contexto cultural do Rio Grande do Sul.
Conheci Hélio Moro Mariante quando ingressei no Círculo de Pesquisa Literária, CIPEL, a convite de Lothar Francisco Hessel. Magro, estatura mediana e de bom humor constante, sabia sorrir e conversar com jeito gauchesco nos momentos de confraternização, também sabia ser um conferencista de comunicação fácil e agradável, mostrando sólidos conhecimentos de folclore e de história.
Helio Moro Mariante nasceu em Caxias do Sul em 21 de dezembro de 1915, possuía o Curso de Formação de Oficiais da Brigada Militar e o Curso de História do Rio Grande do Sul na UFRGS. Dedicou-se à pesquisa do folclore, à poesia regionalista e à história da Brigada Militar. Faleceu em Porto Alegre em 24 de dezembro de 2005.
Exerceu o cargo de redator secretário da Revista Brigada Gaúcha, de Porto Alegre, foi co-diretor da Revista Querência.
Nomeado assistente do governador Walter Peracchi de Barcelos, manteve discreta atuação política, defendendo sempre a ação da Brigada Militar, que ele costumava chamar de “minha gente”.
Pertencente à Academia Rio-Grandense de Letras e dedicado ao folclore do Rio Grande do Sul, publicou na Revista Organon, em 1968, o primoroso ensaio A vida humana e animal nos contos gauchescos, da obra de Simões Lopes Neto. Em rápidas palavras, Mariante traça a imagem do rio-grandense e suas relações sociais com a mulher, no período formativo de nossa sociedade:
“Simões Lopes não ficou imune à tendência gaúcha de valorizar e exaltar somente o macho quer em se tratando de humanos, quer de irracionais. Para o gaúcho, e isto vem de priscas eras, apenas o homem, o cavalo, o touro ou o boi merecem destaque. A importância das mulheres e fêmeas é secundária, sempre em segundo plano”. (Organon, nº 13, p. 107).
Mariante justifica sua assertiva, atribuindo o machismo ao meio social da estância sul-rio-grandense:
“O trabalho de campo e a direção da estância eram serviços só para machos. Mulheres, mulheres, negócios à parte, parece ter sido a divisa dos gaúchos”.
Na área do folclore e do tradicionalismo, Mariante elaborou ensaios, publicados em cadernos de pequeno formato, como História do tradicionalismo sul-rio-grandense, em 1976, em que narra cronologicamente o surgimento e desenvolvimento do tradicionalismo. Pandorgueando, pesquisa sobre o costume de confeccionar e soltar pandorgas, editado em 1977. Colaborei com pequena informação, por ter sido um pandorgueiro em minha infância. Medicina campeira, coleta de ditos, ervas, simpatias e benzeduras da zona rural, publicado em 1984 e Santa Bárbara! São Jerônimo, em 1985, registrando a astronomia e a meteorologia populares, todas as publicações em textos claros, objetivos e de linguagem simples como devem ser todos os escritos sobre folclore.
Sócio efetivo da Estância da Poesia Crioula, Hélio Mariante deixou uma coleção de poemas campeiros, publicados no livro Rodeio dos Rodeios, em 1970.
Nosso confrade homenageado era sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do Instituto de História e de Tradições do Rio Grande do Sul por suas contribuições no campo de pesquisa da história.
Escreveu Crônica da Brigada Militar Gaúcha, em 1972, tendo como fontes as falas, relatórios e mensagens dos governantes da Província e do Estado, bem como ordens do dia, boletins e depoimentos oficiais. Dividiu seu livro em capítulos que focalizam desde as origens das polícias militares, como regimento Del Rei, ordenanças, terços e milícias até a guarda nacional, formação da Brigada Militar e suas diferentes atuações políticas e de policiamento, sob a administração de cada comandante, desde o primeiro até o comando do coronel Vargas. Mariante transcreve documentos e ilustra o trabalho com fotografias e mapas. É um livro básico para o estudo da atuação e constituição da Brigada Militar por apresentar exaustiva pesquisa documental.
Quando Hélio Mariante era ajudante de ordem do Comandante Geral da Brigada Militar, coronel Valter Perachi Barcelos recebeu dois cadernos manuscritos contendo o diário de campanha do tenente-coronel Fabrício Pillar. Mariante transcreveu o manuscrito, desdobrou as abreviaturas, atualizou a grafia dos topônimos, organizou índice onomástico e toponímico. Realizou uma breve introdução com traços biográficos de Fabrício Pilar com informações sobre o contexto histórico.
A publicação do diário de campanha, por Hélio Mariante, revela sua preocupação na preservação das fontes de nossa história, divulgando um documento fundamental sobre estratégia militar anti-revolucionária, que estava restrito ao espaço castrense.
Considero que o trabalho de história mais importante de Hélio Mariante é o livro intitulado Farrapos, guerra à gaúcha, publicado em 1985 por Manoel Martins, incansável editor de assuntos sul-rio-grandenses e batalhador na divulgação de nossa cultura.
Farrapos, guerra à gaúcha é uma pesquisa exaustiva sobre a configuração bélica da Guerra Civil dos Farrapos. Divide-se em três partes. Na primeira, traça com precisão um quadro sintético da conjuntura política do Rio Grande do Sul, da situação militar do Exército imperial com batalhões insuficientes e com Guarda Nacional formada de pequenos contingentes mal armados, que facilitaram o desencadear da revolta com um encontro de patrulhas na ponte da Azenha e com a entrada dos rebeldes em Porto Alegre, sem resistência por parte dos imperiais.
Analisando os decretos da República Rio-Grandense, Mariante deduz que o Exército republicano formou-se a partir da Guarda-Nacional dos municípios que aderiram ao movimento rebelde. Sendo um militar, Mariante descreve com exatidão a organização das forças armadas republicanas, a reorganização da Guarda Nacional e considera a Marinha farrapa como um simulacro de Marinha de Guerra. Importante é o levantamento que fez do efetivo das tropas republicanas ao longo do tempo, estabelecendo um gráfico de 1835 a 1844.
Na segunda parte de seu trabalho, Mariante usa dois conceitos importantes: um deles é Guerra dos Farrapos em que aplica com a acepção de “luta entre duas vontades em que vence a mais forte”. Outro é o de guerra à moda gaúcha, no sentido de “maneira de guerrear própria das gentes de origem gaúcha, consiste num misto de guerra convencional e da guerrilha”, esta de origem indígena. Busca subsídio em vários historiadores militares que escreveram sobre a maneira diferente de guerrear no extremo sul.
A terceira parte trata do armamento, da indumentária, da formação da tropa, dos lanceiros negros, do sistema de defesa de Porto Alegre com mapa das baterias. Relaciona no final as efemérides bélicas. Completa o livro com índice onomástico e toponímico.
Além das instituições culturais já citadas, Hélio Moro Mariante era sócio correspondente do Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais, com sede em Paris, e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, no Rio de Janeiro.
Para encerrar este rápido panegírico de nosso confrade, nada melhor que uma estrofe de poesia de Hélio Moro Mariante que sintetiza sua maneira de ser militar, poeta, folclorista e historiador:
E entre clangores de clarins,
marche-marches de infantaria
pra-ta-tás de cavalaria,
pelos sem-fins destes confins,
na belicosa coreografia
da arte das militanças,
nesta fronteira do vaivém
este Rio Grande heróico,
este Rio Grande estóico
fez-se o pedestal do Brasil!
Creio firmemente que Hélio Moro Mariante contribuiu culturalmente para construir este pedestal.
 
Bibliografia de Hélio Moro Mariante:
De prontidão. Porto Alegre: Tipografia da Brigada Militar, 1968
Fronteira do Vaivém. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1969.
A vida humana e animal nos contos gauchescos. [Sep.] Revista Organon, Porto Alegre, nº 13, 1969.
Rodeio dos rodeios. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1972.
Crônica da Brigada Militar Gaúcha. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1972.
Tropel da liberdade. [Plaqueta]. Porto Alegre: CONTUR/EPATUR, 1973.
A Idade do Couro no continente D´El Rey. Porto Alegre: URGS, 1974.
O Decênio Heróico. [Plaqueta]. Porto Alegre: EMMA, 1974.
História do Tradicionalismo Sul-Rio-Grandense. Porto Alegre: IGTF, 1976.
Pandorgueando. Porto Alegre: CORAG, 1977.
Calendrier des fétes et des dates traditionnelles, use et coutumes dans le Rio Grande do Sul. In Cahiers de Littérature Orale. Paris: ALC, 1980.
Respigos sobres o desenvolvimento de Porto Alegre. Porto Alegre: Tipografia Santa Terezinha, 1981.
Farrapos: guerra à gaúcha. Porto Alegre: Martins, 1985.

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 3

Felix da Cunha

Félix Xavier da Cunha nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 16 de setembro de 1833, filho de Francisco Xavier da Cunha e Maria Quitéria de Castro e Cunha. Era irmão de Francisco Xavier da Cunha. Cursou humanidades no Colégio Dom Pedro II no Rio de Janeiro de 1843 a 1848. Formou-se bacharel em Direito em São Paulo no ano de 1854. Após a formatura, mudou-se para Porto Alegre, exercendo a advocacia a partir de 1955.

Como jornalista, dirigiu em Porto Alegre O Propagandista e O Mercantil. Em 1861 fundou O Guaíba. Além das atividades ligadas à advocacia...

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