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Bandeirantes e pioneiros, uma história comparada - Moacyr Flores

26 de novembro de 2014


Em 1954 Vianna Moog publicou Bandeirantes e Pioneiros – paralelo entre duas culturas, pretendendo responder a pergunta por que os Estados Unidos da América do Norte sendo mais novo que o Brasil, conseguiu realizar um progresso milagroso?
Em busca da resposta, o autor escreveu uma história comparativa partindo da invenção que a sociedade americana formou-se com base no trabalho dos pioneiros e que os bandeirantes também realizaram uma obra semelhante ao desbravarem o sertão do Brasil. Mostra o equívoco dos que fazem esta afirmação, pois os pioneiros chegaram à América do Norte como povoadores criando suas próprias leis e elegendo suas autoridades, enquanto os bandeirantes avançaram no sertão para caçar índios e vendê-los como escravos. Não se fixaram nas regiões que devastaram, e numa segunda fase embrenharam-se no sertão em busca de ouro e pedras preciosas.
Em 1682 William Penn reuniu uma assembléia eleita pelos colonos da Pensilvânia para a votação da Great Charter (Carta Magna), que atribuiu muitos poderes do governo aos representantes do povo. (Commager, p. 17).
 
1776. Declaração de Independência, em assembléia de representantes dos colonos.
 
No Brasil Dom Pedro I foi aclamado Imperador em 12.10.1822, sendo coroado em 1º.12.1822. A Assembléia Constituinte, com representantes do povo eleitos, foi dissolvida pelo Imperador em novembro de 1823. Vianna Moog, preocupado com as teorias sobre o fator geográfico, não viu que o grande mal do Brasil é de ter formado primeiro o Estado, sem que houvesse formada a nação. Nos Estados Unidos o Estado surgiu com base na nação norte-americana.
 
Aclamação de Dom Pedro I, em 12.10.1822, data considerada pelo imperador como dia da independência. 
O povo assiste o ato programado pelo próprio governo.
 
É certo que numa história comparativa devem-se usar fatos semelhantes e também os diferentes numa recorrência no tempo de outras sociedades. No primeiro capítulo, Moog discute o espaço geográfico e suas relações com os fatores étnicos. Infelizmente o autor esqueceu outro fator importante da história, o tempo que ao longo de seu percurso apresenta modificações sociais, econômicas e políticas. Moog condena a idéia simplista que o progresso norte-americano devia-se a superioridade racial e que só por exceção houve mistura com o negro e de que o atraso brasileiro devia-se ao fato de termos sido colonizados por portugueses que se misturaram com índios e negros. Moog aponta o fator geográfico como fator de contraste entre os Estados Unidos e o Brasil:
Afinal de contas, num paralelo entre os progressos realizados pela civilização norte-americana em contraste com a brasileira, talvez não haja muita heresia em abrir um modesto crédito àqueles fatores que, como a orografia, a hidrografia, a botânica, a geologia e o clima, têm sido também invocados na interpretação dos fatos sociais (Moog, p. 24-25).
O ensaísta aborda a orografia norte-americana formada desde a costa atlântica por planícies, tendo apenas os Alleghenies e os Apalaches com baixa altitude que não ofereciam obstáculos, como um fator que permitiu a construção de estradas de ferro e de rodagem em direção ao oeste, cortando todo o continente. No Brasil a planície costeira é estreita, enfrentando logo em seguida as escarpas do Planalto Brasileiro, escavado pela erosão, necessitando de enormes obras de engenharia para vencer os vales profundos e rios caudalosos que correm para o interior. Na região Norte e na do Sudoeste, a densa floresta e os rios constituíram obstáculos à construção de ferrovias e rodovias.
O autor compara a hidrografia norte-americana com a brasileira, tendo como modelos as bacias fluviais do Mississipi e Missouri correndo em regiões de planície, com afluentes navegáveis, enquanto os rios brasileiros, sendo a maioria de planalto são encachoeirados, com a navegação interrompida, como o São Francisco com a grande catarata de Paulo Afonso, a 250 km da foz. O ensaísta considera o Amazonas como um rio errado, que corre ao longo da Linha do Equador, e não de Norte a Sul, unindo os estados brasileiros, à semelhança do Mississipi e Missouri.
Moog não se refere ao aproveitamento dos grandes lagos norte-americanos num paralelo com o sistema lagunar do Rio Grande do Sul, situado na planície costeira e nem se refere ao projeto de interligar através de um canal o rio Jacuí com o rio Uruguai. Não apresenta explicação comparativa para esse abandono.
Para o autor, o desenvolvimento de uma região depende do clima, citando como exemplo a experiência da plantação homogênea de seringueiras na Amazônia pela Ford Motor Company, que fracassou porque o seringal secou pela ação do sol, por não ter o sombreamento de outras árvores e nem o húmus da floresta (Moog, p. 42-44).
O mais importante de seu trabalho é posicionamento contra o mito da raça pura e por não aceitar nenhuma relação entre raça e nacionalidade. Moog analisa a emigração de sulistas estado-unidenses para o Brasil, a partir de 1866, para demonstrar que nos assentamentos no Amazonas não houve o progresso e os que ficaram na terra tornaram-se caboclos, com exceção da cidade de Americana, em São Paulo. Na Amazônia não há inferioridade racial, pois o meio é implacável, onde permanece apenas o mestiço. Assim, Moog defende a mestiçagem, considerando a raça conquistadora de regiões temperadas como excluída dos trópicos.
No segundo capítulo, Moog critica o determinismo geográfico de Ratzel, o evolucionismo social de Augusto Comte e a ação do fator econômico de Karl Marx, a preservação da propriedade pelo Estado segundo Locke, a ética do ganho como força incomensurável da teoria de Max Weber. A parte mais importante desse capítulo é a comparação entre a ética calvinista e a católica. Discorda da assertiva de que o catolicismo é incompatível com o capitalismo, citando a importância comercial de Antuérpia, Florença e Veneza, a riqueza dos banqueiros católicos na Alemanha como os Fuggers ou os Welsers. A venda das indulgências e o tráfico negreiro por parte de países católicos como Portugal e Espanha, a forma de reger as propriedades da Igreja, são formas de capitalismo, mas que há mais compatibilidade doutrinária entre o protestantismo e o nacionalismo, ou entre o protestantismo e capitalismo. Conclui que a doutrina católica é diferente em relação ao capitalismo e ao nacionalismo, chegando a ponto de afirmar que o racismo surgiu com o calvinismo.
O historiador William Miller que apresenta o calvinismo como responsável pelo entendimento e respeito mútuos a uma reciprocidade de interesse dos comerciantes e capitalistas moradores das cidades norte-americanas. Os calvinistas governaram-se a si próprio, mostrando-se ingovernáveis e por fim, o calvinismo firmou-lhes e revigorou-lhes o caráter, não o criou. (Miller, p. 41).
Moog desconhece que a Igreja impedia que índios fossem ordenados padres e só por exceções negros foram ordenados durante o período colonial. Nessa época a Igreja agia dentro do fundamentalismo que todos eram obrigados a serem católicos. Os índios que não se convertiam sofriam a chamada guerra justa, podendo ser mortos ou escravizados. A Inquisição portuguesa e espanhola considerou a invenção ou experiência científica como obra do diabo Belfegor. Creio que essa atitude é mais importante do que a doutrina católica sobre juros e bens materiais apontados por Moog.
Moog busca circunstâncias históricas da invasão dos mouros que se tornam senhores com uma cultura superior aos habitantes de Portugal. Essa influência moura fez com que não houvesse racismo contra os mouros superiores, facilitando séculos depois a miscigenação no Brasil. As índias ambicionavam ter filhos com os brancos, que estavam com falta de mulheres brancas. Segundo o autor, os pioneiros anglo-saxões não entraram em luta com nenhuma cultura superior, possuindo apenas uma tradição ariana que determina as relações entre John Smith e a índia Pocahontas, com preconceito racial. O europeu não casa com ela e retorna à Inglaterra, diferente de Caramuru que casa com Paraguaçu e viaja com ela para a Europa onde é batizada com o nome de Catarina. Portanto os portugueses não seriam racistas como os anglo-saxões.
No entanto o autor afirma que nos primeiros séculos de ocupação e povoamento do Brasil os portugueses raramente casavam com as índias, muito menos com as negras, vivendo em mancebia, procriando mestiços.
Em pesquisas que realizei nos livros de registros da Aldeia dos Anjos encontrei apenas dois portugueses e um mulato que casaram com índias para receberem sesmaria em Cima da Serra, segundo o bando do governador José Marcelino de Figueiredo. Nos livros de batismo da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Viamão há inúmeros registros de filhos de índia e de pai desconhecido, sem casamento interétnico, confirmando as afirmações de Moog. Para ele, a desaprovação do cruzamento racial não é biológica, quando muito será religiosa e social. Considera que a existência de escravas nos estados sulinos facilitou o cruzamento entre brancos e negros, às ocultas das sanções sociais, contrariando assim as teses racistas de historiadores positivistas que ignoraram as miscigenações do luso-brasileiro com índia e negra.
Assim conclui que o progresso em progressão geométrica dos Estados Unidos e do Brasil em progressão aritmética, não é determinado exclusivamente por fatores geográficos e econômicos, mas também, em termos históricos, conseqüências de fatores éticos e religiosos.
Moog busca novas explicações na formação das duas sociedades, com os primeiros povoadores calvinistas alfabetizados que pretendiam trabalhar, prosperar e acumular, em contraste com súditos do rei de Portugal que eram conquistadores, não colonizadores com o pensamento de retorno à pátria, enquanto desejavam descobrir as minas de ouro.
Citando Capistrano de Abreu que “as bandeiras concorreram para antes para despovoar que para povoar nossa terra, trazendo índios dos lugares que habitavam, [...] acontece que os bandeirantes iam e tornavam não se fixavam nunca nos territórios percorridos”, Moog compara com os pioneiros que conquistaram a terra, plantando vilas e cidades, diferente das excursões ao sertão dos bandeirantes
Outra parte importante da obra é a discussão sobre a mitificação dos pioneiros norte-americanos, como se todos fossem oriundos do Mayflower, ou perseguidos por motivo religioso ou movidos por afã evangelizador e em busca do lucro. Muitos vieram em busca do ouro na Virgínia e na Nova Inglaterra, até que se dedicaram a monocultura do tabaco com mão de obra escrava. No entanto, na América Anglo-Saxônia predominou a colonização, ao contrário da América Latina onde predominou o bandeirante sobre o pioneiro. Embora no norte viessem pioneiros de diferentes religiões, predominou o espírito calvinista, com princípios éticos inspirados no Antigo Testamento. (Moog, p. 135-136).
Outro fator importante é uma identidade expressa por símbolos, como o nome Marta, que trabalhava enquanto sua irmã Maria permanecia sentada ouvindo a prédica do Messias. No Brasil predomina o nome de Maria. Analisa que os pioneiros do norte foram os primeiros a se autodenominar americanos, já no Brasil os povoadores se chamavam de mazombos e na Nova Espanha de Criollo.
O autor confunde degredado como sendo criminoso quando a maioria dos exilados, principalmente mulheres, era praticante do judaísmo, que vinham banidos para o Brasil. Afirma que os cristãos-novos por serem fugitivos não estavam interessados no desenvolvimento da colônia. (Moog, p. 147).
Para Moog, o “mazombismo brasileiro continua como uma ausência de determinação e de satisfação de ser brasileiro, na ausência de gosto por qualquer tipo de atividade orgânica”. (Moog, p. 150).
Em suas comparações entre as culturas brasileira e norte-americana, Moog desconhece as relações entre tempo e espaço, pois a ação dos bandeirantes se passa no século XVII, com fases diferentes de caça ao índio guarani, de busca de ouro e de pedras preciosas, enquanto a ação dos pioneiros desenvolve-se no século XIX, em busca de terra para povoamento e na cata de ouro na Califórnia. Sem descrição das práticas cotidianas dos elementos das duas culturas não é possível estabelecer paralelo.
No entanto, sua construção de texto sobre racismo e miscigenação é pertinente, contradizendo os historiadores e ensaístas positivistas de sua época que afirmavam não existir influência do negro e do índio em nossa cultura. Alguns até exageravam dizendo que era pela aversão do branco àquelas duas etnias. Para Moog o caráter do brasileiro é fruto de sua cultura.
       Bibliografia
       ABREU, Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: INL/Civilização Brasileira, 1975.
       COMMAGER, Henry Steels/ NEVINS, Allan. História dos EUA. Rio de Janeiro: Bloch, 1967.
       MILLER, William. Nova história dos Estados Unidos. Belo Horizonte, Itatiaia, 1962
       MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros. Paralelo entre duas culturas. Porto Alegre: Globo, 1961.
       MORETO, Fúlvia. O universo de Quintana e a obra de Vianna Moog. Porto Alegre: Ediplat, 2006.
       VILLAS-BOAS, Pedro Leite. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: EST/EDIGAL, 1991.

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 11

Pe. Carlos Teschauer SJ

(por Luís Alberto Cibils)

Cientista de projeção internacional, cujos, trabalhos também são estudados em Universidades. Esse nome patronímico surgiu na Antiga Academia Sul-Rio-Grandense de Letras, sendo então ocupante Tiago Mateus Würsth, nascido na Alemanha, o qual depois de ter se destacado entre nós como educador, veio a falecer em 1979. Com a unificação das Academias em 1914, a cadeira conservou-se com o mesmo patrono, número e titular.

Foi seu sucessor Antônio Carlos Machado, nascido a 27.12.1916, em Santiago. Formou-se em Direito, como...

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