TEXTOSENSAIOS
Radioteatro Farroupilha - Moacyr Flores
26 de novembro de 2014
Luís Peri Borges nasceu em Jaguarão, em 25.8.1895 e faleceu no Rio de Janeiro em 17.10.1967. Tinha pouca instrução, pois cursara apenas o primário, mesmo assim dedicou-se com sucesso ao teatro profissional desde 1918, quando estreou como ponto da Companhia Cancella-Zaparoli, no cine-teatro Coliseu, em Porto Alegre.
Teatrólogo, diretor, ator, poeta, cronista, atuou na rádio, no cinema e na televisão. Escreveu dramas e comédias, deixando uma vasta bibliografia na dramaturgia brasileira. De 1935 a 1944 manteve na rádio Farroupilha de Porto Alegre o programa dominical Teatro Farroupilha, junto com sua esposa Estelita Bell. A dupla excursionou pelos teatros do Rio Grande do Sul, de 1944 a 1946. A partir de 1946 foram contratados pela Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro.
Estelita Bell (Ester Daniotti Borges) e Pery Borges
Retornam ao Sul e Peri trabalha como diretor do radio teatro da Rádio Sociedade Gaúcha de Porto Alegre, de 1950 a 1951. Novamente atuou na Rádio Mayrink Veiga, de 1951 a 1964, quando se aposentou.
Editou em 1942 Seis anos de rádio com autobiografia, história do teatro no interior do Rio Grande do Sul e vários esquetes que foram radiofonizados. Em 1944 publicou Poeira do meu chão, com esquetes, poemas e crônicas, para atender aos pedidos dos atores amadores que encenavam nas escolas e salões paroquiais. Os esquetes foram radiofonizados por Estelita e Peri. Os personagens dos esquetes estão com a rubrica ele e ela:
Ele – Oh! Dê licença... dê-me sua valise...
Ela – Obrigada.
Ele – A que vagão se dirige?
Ela – Ficarei aqui mesmo. Obrigada.
Os diálogos são curtos, em linguagem coloquial, focalizando cenas do cotidiano. O primeiro esquete é o encontro casual entre um senhor de meia idade e uma senhora ainda moça que entra no vagão. Ele ajuda-a com a valise e iniciam a conversação. Ele repara que ela ainda está sob o efeito do susto do trem andando em velocidade, pois do contrário não falaria com um estranho, as pessoas civilizadas mesmo morando em 20 apartamentos não se conhecem e se evitam. No entanto, nos trens, aviões e transatlânticos tornam-se familiarizadas e companheiras. Ele considera-a como um amigo e ela também, uma amizade que começa e termina na viagem. Os dois se reconhecem como espiões de países diferentes e prometem serem inimigos leais enquanto durar a viagem. O trem apita, bate o sino, termina a viagem e o dois promete se encontrar quando a guerra terminar.
O esquete, caracterizando o estado de guerra e o medo do espião quinta coluna, termina com o seguinte diálogo:
Ele – E oxalá o trem venha com muito atraso, para que venha voando e apitando alegremente; e eu tenha a ilusão de que sou o maquinista feliz que devora distâncias, na certeza de encontrar no fim da estrada uma noiva carinhosa, que o espera com saudade.
Ela. E, agora para a guerra, N-35!
Ele – Até a paz, Y- 19!
O segundo esquete, por título Tragédia, tem por tema um homem que volta para casa com ataduras, enfaixado e iodado. A vizinha Filomena enche-o de perguntas, querendo saber o ocorrido. O diálogo é rápido e ágil:
Ela – Foi bonde, foi, seu Boni?
Ele – Antes um bonde me tivesse passado por cima.
Ela – Caiu do bonde...
Ele – Foi. Tomei um bonde errado! Desgraçado! Tanto que a minha mulher me avisou.
Sem conseguir escapar da curiosidade da vizinha, ele conta que havia uma festa na casa dele, com alguns convidados. Quando a filha caçula entrou na cozinha viu um vulto abraçado com a empregada no escuro. A menina grita, a empregada desmaia e os rapazes surram o intruso, arrastando-o para casa.
Ela – Bem.. e... o resto?
Ele – Que resto?
Ela – Sim, o ... o tal?
Ele – A senhora ainda não percebeu que o homem que estava abraçado à criada era eu?
O cabelo branco é um esquete sobre a esposa amuada com o marido que retorna tarde da noite. Ela cheia de ciúmes, encontra sinais de traição no marido, até no cabelo branco em seu casaco. Ele mostra que o cabelo é dela.
O longo esquete com frases cínicas do marido focaliza a situação dependente da mulher em relação ao homem, que tem que sofrer calada e, quando tenta impor-se, é acusada de fazer cenas de ciúme.
Vida de Artista apresenta um conhecido ator de teatro, que é cumprimentado por uma admiradora de seu trabalho artístico, enchendo-o de elogios e achando que ele está rico, com a casa sempre cheia. Ele nega, dizendo que está na porta do café a espera de um amigo que vai lhe emprestar 15 cruzeiros e 40 centavos. Ela não acredita. Ele apresenta o total ganho nas estradas com a casa cheia e, com todos os descontos, impostos, salários, ele ainda deve o pagamento da impressão dos programas, por isto espera o empréstimo do amigo.
Homem honrado trata de um malandro que sobrevive enganando as pessoas, mas ao ver a antiga dona da pensão, onde morara de graça e onde sempre conseguia mais uns trocados emprestados, sente pena de sua miséria e resolve pagar uma parte de sua antiga dívida. Ela estranha o fato dele ter dinheiro. O malandro, sempre protestando sua honestidade, conta que viu um homem rico deixar cair um embrulho quando subia num taxi. Em casa, verificou que continha dinheiro. Levou o embrulho para a polícia, porque era um homem honrado. O delegado disse que se no fim de três meses ninguém reclamasse, o dinheiro seria seu. Passado três meses, foi à delegacia buscar o dinheiro, que ele pusera à disposição do dono.
Ela – Mas então não estavam lá os 350 mil cruzeiros?
Ele - Estavam.
Ela – E não era aquele homem o seu dono?
Ele – Era, dona Bela.
Ela – E por que não coincidia?
Ele – É que, deu-me na bola fazer uma pilhéria e troquei várias notas daquelas em 100, 50 e 20 e até miúdos; tirei o bilhete de loteria e botei em seu lugar uns folhetos sobre turismo; no lugar da receita pus um livrinho de canções, trocando ainda a lista de compras por um rol de roupa suja. Descombinou!
Ela – Espere aí, seu Bernardo! Nesse caso, o senhor?
Ele – Eu o quê, dona Bela? Eu posso ser honrado e divertido, não posso?
Outro esquete curto é o Recurso da ciência, que explora o imaginário popular do mau médico, que mata seus pacientes, por isto mesmo é procurado por uma senhora que deseja que ele opere seu segundo marido. Ele não quer atender, pois a noite está fria e úmida, há também um argumento mais forte:
Doutor – Mas, como vê, não há razão para tamanha confiança. O seu primeiro marido morreu em minhas mãos.
Ela – Eu sei, pois é por isso, eu...
Doutor - Por isso mesmo quer que eu atenda o segundo?
Ela - Sim, doutor, sim. Não se demore, venha imediatamente!
Doutor – Bem, eu vou, Mas francamente eu não entendo.
Ela – É que eu já tenho um terceiro em vista, compreende Doutor?
Há ingenuidade nos esquetes, principalmente no intitulado Questão de hábito, quando os recém casados discutem sobre o tratamento mútuo, cada palavra, riquinho, negrinho, meu velho, florzinha, anjinho, mimosinha provocam reações contrárias, mostrando futilidade quando a jovem esposa escolhe ser tratada por minha boneca, porque fora assim chamada por cinco noivos que ela teve, antes de casar.
Quinze dias de férias, ele, modesto empregado no comércio está na cama no primeiro dia de férias anuais, mas ela manda que se levante para tomar café, rachar, coser as meias dos filhos, limpar o jardim, cuidar dos filhos enquanto a mulher faz visitas, lavar a casa, tomar a lição dos filhos. Ele veste o casado e vai para o escritório trabalhar, pois se ficar em casa de férias, morre tuberculoso.
Outros esquetes são em forma de piadas simples com finais inesperados, como Amor de Mãe, que o amigo está beijado a mãe trocada; em Amor por Correspondência termina bruscamente quando a moça casa com o carteiro; em o Método do outro Mundo, são recém casados que pagam com beijos os pequenos favores que fazem entre si, como arrumar o chapéu, abrir a porta. Os dois vão ao cinema e ela dirige-se à bilheteria para comprar os ingressos Há uma multidão em frente da bilheteria. Ela chega, todos abrem caminho, conseguindo os ingressos com facilidade. Quando ela retorna o marido pergunta:
Ele– Mas, conta! Como foi que conseguiste tudo, com tamanha facilidade?
Ela – Pelo nosso método: cada cavalheiro que me deixava passar, eu pagava com um beijo.
Na comédia intitulada Exame pré-nupcial a moça noiva engana o primo médico, dizendo que ela e o noivo estão doentes e que pretendem casar para aproveitar a vida. Só no final é que o primo descobre que foi uma maneira de provar o amor do noivo.
Peri Borges dá um toque de dramalhão no esquete O Aniversário de Lili, quando ela visita o pai na Casa de Detenção Correcional, e pede como presente de 15 anos que o pai conte como a mãe dela morreu. Contrafeito ele conta que foi traído e a matou, ela promete retornar sempre para ver o pai:
Ela – Todos os domingos. Ela perdeu a vida; mas tu perdeste muito mais, porque perdeste a ela!. Tu me ensinarás a amar o que ela tinha de bom e eu aprenderei a esquecer o que fizeste de mau. Adeus papai.
Quando era criança morei ao lado de uma avenida, um conjunto de casas de madeiras, uma lado da outra, tendo a frente para o beco de servidão uma porta e janela e nos fundos um pequeno pátio com uma latrina. Havia uma torneira comum com tanque, onde as mulheres lavavam roupa e as pessoas tomavam banho, isto é, faziam a meia-sola lavando os cabelos, rosto, pescoço e axilas. As brigas eram diárias entre os moradores. Havia de tudo, os tipos mais esquisitos.
Em Uma Senhora Educada, Peri estuda o cotidiano dos moradores dessas casas populares, tendo como personagem central a mulher que sabe de tudo que acontece na avenida. Ela é um repórter falado que a tudo critica: os meninos que jogam bola, soltam pandorga e pescam no arroio ao invés de irem para a escola; da Valdomira que pediu uma camisa de uma cliente para dar uns passes, mas que o marido a veste; do rapaz do sete que dorme de dia e sai à noite, deve ser ladrão; da Mimosa que é noiva do guarda noturno e namora o bombeiro; do pixaim lá do fundo, com mania dos blocos e dos sambas, vive tamborilando no chapéu e diz que é compositor. Depois diz que vai ao cinema com a Mimosa e Valdomira a convite do mocinho do sete.
Ele – Com o ladrão? A noiva do polícia que namora o bombeiro? E a mulher que veste no marido as camisas dos clientes?
Ela – Sei lá, filho! Eu sou uma mulher educada; não me ocupo com a vida alheia.
Quem não tem cabeça... coloca em cena um comprador de chapéu e a vendedora solícita que lhe mostra o que tem na loja, mas ele sempre encontra um defeito no chapéu, até que depois de muito experimentar encontra um perfeito. A balconista o deixa levar de graça.
Ele – De graça? Por quê?
Ela – Porque esse é o chapéu com que o senhor veio, cavalheiro.
Em seus esquetes, Peri usa a linguagem coloquial e as gírias da época, tornando fácil a compreensão da pequena peça radiofonizada, como por exemplo: o filhinho da gasguita, marmanjos, andam num mugre (mau cheiro), passa as tardes filando café, a confiançuda, dobrando o Cabo da Boa Esperança, arrastou as fichas (ganhou), dar um giro pela avenida, as Fonsecas estão grelando, parte da mesma coudelaria (turma). Quando se refere a pessoas fora de cena, usa de apelidos conforme seus aspectos: a caolha, o bobalhão, o gordo, a melada, o pixaim, aquele pernas finas.
Como o radio teatro ia ao ar aos domingos e era escutado pelas famílias, não podia ter cenas ou frases indecorosas. Era para fazer rir sem fazer corar. Procurava educar pelo ridículo da cena, expondo os espertos, os malandros em situações embaraçosas. A crítica social é indireta, mas seus textos leves servem para reconstituir uma época do bonde, da fila do cinema, das pensões e dos casais ingênuos quando a mulher ainda não trabalhava.
Bibliografia
BORGES, Peri. Seis anos de rádio. Porto Alegre: Thurmann, 1942.
___________. Poeira do meu chão. Porto Alegre: Thurmann, 1944.
MARTINS, Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: URGS/IEL, 1978.
VILLAS-BÔAS, Pedro Leite. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: EST/EDIGAL, 1991.